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06 de Março de 2018 às 20:40

Ensaio sobre o cinismo

Os cínicos eram avessos às convenções sociais. Viviam nas ruas, faziam sexo à vista de todos, não tinham falsos (nem verdadeiros) pudores. Portavam-se como cães.

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Assim como uma rosa é uma rosa, uma cadeira é cadeira, um estetoscópio é um estetoscópio, uma beringela é uma beringela.

Aprendemos a chamar as coisas pelos seus nomes e isso nos basta. Já quando falamos sobre conceitos, a banda toca de outro jeito.

 

Quando dizemos que fulano é um cínico, raramente isso será interpretado como elogio. Mas um cínico é o quê mesmo?

 

A origem do termo explica muitas coisas. O problema é que explica coisas a mais. O cinismo começou como um movimento social, na Grécia Antiga, baseado numa filosofia disseminada por discípulos de Sócrates.

 

Os cínicos eram avessos às convenções sociais. Viviam nas ruas, faziam sexo à vista de todos, não tinham falsos (nem verdadeiros) pudores. Portavam-se como cães, daí serem chamados de "kynicos" (em tradução direta: iguais aos cães).

 

O cinismo, ao seu tempo, teve grande saída. Dizem até que influenciou o início do cristianismo. Meio que caiu em desgraça ali pelo século XIX. Mas acho que está a entrar outra vez na moda.

 

Bons exemplos disso são duas das novas séries da plataforma Netflix que andam a fazer sucesso um pouco por todo o mundo.

 

Uma delas é a "The End of The F***ing World", uma proposta de ficção tão bem avaliada que chegou a totalizar 100% de aprovação do site Rotten Tomatoes.

 

Trata-se de uma comédia de humor negro em que um adolescente (que acredita ser um perigoso psicopata em formação) se envolve com uma adolescente com um claro comportamento anti-social.

 

A cada episódio tudo piora na vida do casal. Não há uma única ação que não provoque uma desgraça de reação. E os dois vão cinicamente sobrevivendo, parafraseando Voltaire, discordando do seu clássico personagem Cândido, para afirmar que este é o pior dos mundos possíveis.

 

A outra série caminha no mesmo diapasão. "Everyting Sucks" narra o dia a dia de um grupo de pré-adolescentes, nos anos 90: para ter uma ideia, eles vivem numa cidade americana chamada Boring.

 

Aqui o curioso é ver um miúdo se apaixonar loucamente por uma coleguinha da escola no mesmo momento em que ela está a se descobrir lésbica. Trata-se de uma história romântica ao contrário. Que mostra que a inocência cedo nas nossas vidas se desfaz.

 

As duas séries são de um cinismo militante. Não há aqui lições de vida edificantes, nem finais felizes. Mas são divertidas, originais (no sentido de encontrarem soluções dramáticas fora do habitual) e valem a pena ser vistas.

 

Claro está que o cinismo é uma das maneiras de falar a verdade. Não é a única, nem a melhor. Mas, às vezes, o sarcasmo (primo-irmão do cinismo e filho bastardo do humor) serve de antídoto à má-disposição.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, citando Oscar Wilde: "Um cínico é um homem que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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