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16 de Abril de 2021 às 09:20

A próxima conversa...

Jorge parecia estar numa fase mais tranquila e de bem com a vida. Não se furtou a nenhuma pergunta. Claramente não temia em expressar o que pensava. Por motivos óbvios, riu muito com a cor laranja da parede que uso como cenário para as minhas lives.

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Pode não parecer, mas conversar é uma arte de difícil aprendizagem e complicada execução. Conversar não é apenas falar e ouvir. Uma conversa pressupõe que os interlocutores desenvolvam um mesmo raciocínio, mesmo que divirjam frontalmente. A conversa tem muito de valsa, tem muito de tango, é uma dança a dois, a três, a quatro...

A palavra conversar vem do latim conversatio. No começo, significava “conviver com alguém”, estar na companhia de outra pessoa, ter intimidade ou desfrutar da sua presença regular. “Fulano conversa com beltrano” queria dizer que eles viviam na mesma casa ou eram vizinhos, por exemplo.

Jorge Coelho era bom de conversa. Tinha o dom de ser generoso com o outro, de sempre procurar qualidades no seu interlocutor e de as declarar logo à cabeça. Chegava a ser desconcertante. Se em outros essa característica poderia soar como sonsa, em Jorge transpirava autenticidade.

Depois de anos sem contacto, calhou termos uma longa conversa há três semanas. Foi uma conversa online, com público, uma espécie de entrevista, dentro de uma série que tenho vindo a fazer nos últimos anos. Se tiver curiosidade de assistir basta ir no YouTube e pesquisar “Jorge Coelho Storytelling Academy”. Animados pelo reencontro, não sabíamos que também seria uma despedida.

Falámos pela primeira vez sobre alguns momentos da campanha eleitoral de 1995, que elegeu António Guterres. Foi curioso ver que ele se lembrava de algumas passagens de maneira bem diversa de como ficaram guardadas na minha memória. Normal. Cada um é dono do seu álbum de recordações. Não há lembrança certa ou errada. A narrativa do que foi vivido é sempre pessoal e intransmissível.

No fim da sessão perguntei ao Jorge o que era ser beirão. Os olhos dele brilharam. Ao explicar o amor pela sua terra, acabou por explicar a si mesmo. Lembrou a sua infância marcada pela morte precoce do pai e necessidade de fazer pela vida. Contou como aprendeu a ler os jornais e como isso ajudou a moldar o seu interesse em reformar o mundo. Falou de um Portugal interior afastado de tudo, longe de tudo, com tudo ainda por fazer. Para um “fazedor” como o Jorge era, imagino que o país soava para ele como um desafio.

Jorge parecia estar numa fase mais tranquila e de bem com a vida. Não se furtou a nenhuma pergunta. Claramente não temia em expressar o que pensava. Por motivos óbvios, riu muito com a cor laranja da parede que uso como cenário para as minhas lives. Respondi que na próxima conversa o fundo seria rosa.

Mas a próxima conversa já não poderá acontecer.

 

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