Opinião
Um novo animal na floresta
Ele troca promoções profissionais por um horário de trabalho que dê jeito nas suas missões familiares. Dispensa um aumento para ver a filha a atuar num teatrinho. Faz questão de ir às reuniões escolares. Preocupa-se com o peso das mochilas.
"Filhos... Filhos?/Melhor não tê-los!/Mas se não os temos / Como sabê-los?" (Vinicius de Moraes)
Para quem escreve crónicas, andar na rua é como cuidar de um jardim. Não temos flores, mas temos gente, o que acaba por dar no mesmo. Somos jardineiros de almas.
A caminhar pelas avenidas de Lisboa no fim da tarde desta segunda-feira, para muitos, o primeiro de dia de aulas, constatei a existência de um novo animal na floresta urbana: o Pai com Filho Pequeno na Escola.
Na verdade, de novo o bicho não deve ter nada, apenas notei-o tardiamente. O que nem faz sentido, pois o Pai com Filho Pequeno na Escola é tudo menos discreto. A felicidade com que ele caminha de mãos dadas com a sua cria chega a ser exuberante.
Veja bem, estou a falar de um grupo muito específico da espécie. O animal ronda os trinta anos e o filho ou filha tem por volta de cinco. Trata-se de um "millennial" boa cepa, que gosta de estar presente na criação dos miúdos. Negociou com a companheira ter algum papel relevante na vida escolar deles, como levar e/ou trazer os ditos do colégio.
Esse pai é um desafio às normas antigas das empresas (ou, ao menos, às normas das empresas antigas). Ele troca promoções profissionais por um horário de trabalho que dê jeito nas suas missões familiares. Dispensa um aumento para ver a filha a atuar num teatrinho. Faz questão de ir às reuniões escolares. Preocupa-se com o peso das mochilas.
Esse pai não é austero, nem sovina. Gosta de presentear os filhos seja com brinquedos ou com sorvetes. Também não faz questão de ser a autoridade máxima na casa. As crianças sabem que quem manda lá é a mãe. Ele não passar de um labrador com calças. Como quem manda na empresa é o chefe, esse novo tipo de homem acaba por não mandar em nada e sente-se assim mais feliz.
Enquanto segmento de mercado, o Pai com Filho Pequeno na Escola tem sido ignorado solenemente pelos publicitários e marqueteiros. Quase todas as comunicações feitas para marcas ligadas ao universo infantil continuam dirigidas diretamente aos pequenos ou, principalmente, às mães e avós.
O que não deixa de ser curioso pois o Pai com Filho Pequeno na Escola é um perdulário. O prazer que ele tem em mimar os putos equivale a um sentimento que só os avôs e avós sentiam. Ele só quer ser feliz e espalhar felicidade. Não teve a dor do parto, nem tem a hipersensibilidade feminina para as febres e dores de barriga e ouvidos que vêm no mesmo pacote que os bebés.
Tenho inveja do Pai com Filho Pequeno na Escola. Há ali uma certa ingenuidade e poesia, uma alegria que ilumina as ruas das cidades. Os seus sorrisos bobos são capazes de aquecer os corações dos passantes. Que sejam felizes. Aproveitem, amigos, pois a adolescência das vossas crias espreita ali na esquina.
Ou como diria o meu Tio Olavo, a citar Luís Fernando Veríssimo: "A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico