Opinião
Um quentinho global
Depois de dois meses de chuva ininterrupta, sinto-me escocês (a saia travada que uso, enquanto escrevo a crónica, reforça o sentimento).
Depois de dois meses de chuva ininterrupta, sinto-me escocês (a saia travada que uso, enquanto escrevo a crónica, reforça o sentimento). Tem sido um Inverno do piorio e, normalmente, esta é a época ideal para surgirem aquelas pessoas que dizem "este frio é a prova que não há aquecimento global". É gente que acha que, na pior das hipóteses, o que há é arrefecimento global, porque está mais frio. Se lhes dermos conversa, vão começar a dizer que a única solução é pegar fogo à floresta amazónica, obrigar todos os empregados de mesa do mundo a usar spray desodorizante, voltar a misturar o lixo, e que o Governo tem de obrigar os automóveis a circular movidos a uma mistura de gasóleo, carvão e óleo de baleia.
A maioria das pessoas que defende não existir grandes alterações ambientais - e que o homem não tem grande influência sobre o ambiente - são indivíduos que não acreditam no aquecimento global mas que não duvidam que uma Nossa Senhora pode aparecer em cima de uma árvore, se o tempo estiver razoável.
A teoria é de que o aquecimento global foi inventado pela malta de esquerda para poder andar de barco e ter protagonismo. Para esta gente, os ursos polares estão muito magros porque viram a Popota na televisão e entraram em dieta porque não querem ser conhecidos como "mais um bicho que sofre de obesidade mórbida." Há icebergs do tamanho de seis Repúblicas Dominicanas a navegar, à bolina, na costa da Austrália, porque o gelo, nesta altura do ano, migra para sul para se juntar às cuvetes, para depois irem fazer pequenos cubinhos de gelo nas águas quentes das Seychelles. O argumento final é o de que não há aquecimento global porque isso só acontece com planetas redondos e, como se sabe, a terra é um rectângulo que termina junto à linha do horizonte.
São evidentes as alterações climáticas, e os efeitos do aquecimento global são mais do que visíveis, senão vejamos: já é possível navegar por inteiro a Passagem Nordeste, como é conhecido o trajecto via Árctico entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Um relatório divulgado há um ano pela ONU mostra que os glaciares do Himalaia vêm encolhendo em velocidade acelerada, entre 10 e 60 metros por ano. E, segundo fontes seguras, até no tecto da capela Sistina, os efeitos do aquecimento já são visíveis: o dedo do Homem e o dedo de Deus estão mais próximos quatro centímetros em relação há dez anos. Se não fizermos nada, lá para dois mil e trinta já devem estar os dois de mãos dadas. Não pode ser, temos de evitar esse sacrilégio.
Segundo uma sondagem, as alterações do clima são a segunda maior preocupação dos americanos. Como eu os compreendo. Pode parecer exagerado, mas o crescente e óbvio problema do aquecimento global mudou a minha forma de encarar a vida. Antes de me aperceber da verdadeira dimensão da catástrofe, eu era um indivíduo deprimido e angustiado porque imaginava que, depois de estar morto, outras pessoas iriam continuar a viver e a habitar este planeta por muito mais tempo. Ufa. Que alívio. Termino com um pensamento positivo, a que recorro sempre que surge o tema da problemática do aquecimento global: se no futuro houver apenas uma estação por ano, já imaginou quantos estilistas vão morrer à fome?
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