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Um Orçamento suplementar pouco suplementado

Mas mais do que perceber como sairão as empresas da crise, é obrigação do decisor político tentar evitar que muitas fiquem pelo caminho e, nesta demanda, medidas de simples diferimento no pagamento de impostos não são pouco, são quase nada.

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Quebra do PIB em cerca de 7%, défice de 6,3% e aumento da dívida pública em percentagem do PIB de 117,7% para 134,4%.

Foi assente neste difícil cenário macroeconómico que o Governo apresentou na Assembleia da República a proposta de lei de Orçamento do Estado suplementar (agora aprovada), cujo objetivo principal passa por mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da atual situação pandémica. No que se refere, em particular, às medidas de natureza tributária, destacam-se pela sua importância prática, três:

(i) O aumento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais gerados no decorrer de 2020 e 2021 para 12 anos e, simultaneamente, aumento do limite de dedução dos atuais 70% para 80%;

(ii) Redução dos pagamentos por conta em sede de IRS e IRC referentes a 2020 na proporção de 50% ou 100% em função da quebra de faturação verificada no primeiro semestre de 2020;

(iii) Medidas de facilitação das operações de reorganização empresarial, nomeadamente a eliminação do uso dos prejuízos fiscais das sociedades incorporadas por parte das sociedades incorporantes.

Embora estas medidas não possam deixar de se considerar positivas, a verdade é que a situação atual exigiria um plano (muito) mais ambicioso. Com efeito, e não obstante se compreenda a preocupação com a necessidade de assegurar a preservação de receita fiscal, parece-nos que relativamente aos impostos diretos e contribuições para a Segurança Social, o tipo de medidas a adotar poderia e deveria ter sido diferente. Esperava-se que a discussão do diploma na especialidade pudesse enriquecê-lo e torná-lo num instrumento de apoio à economia e às empresas verdadeiramente robusto. Porém, tal não veio a suceder.

São inúmeros os exemplos de medidas que deveriam ter sido consideradas com impacto reduzido ou limitado na receita.

Desde logo, ao nível dos prejuízos fiscais exigia-se uma medida temporária que permitisse a dedução total dos prejuízos fiscais. A situação atual terá como consequência, em muitos casos, o apuramento de novos prejuízos a que se somará à dificuldade de utilização dos prejuízos fiscais de períodos anteriores (com a consequente acumulação no balanço das empresas de ativos por impostos diferidos). Não permitir a dedução destes prejuízos a 100% ainda que num período temporal determinado, não é compreensível.

Outra medida relevante passaria pela redução das taxas de retenção na fonte sempre que estas tenham a natureza de imposto devido a final. Prevendo-se um impacto relevante neste imposto, não se justifica cobrar antecipadamente o que não será devido.

Por outro lado, é sabido que um dos principais problemas estruturais das empresas portuguesas, com impacto transversal noutras áreas, é o seu elevado nível de endividamento. A promoção de incentivos à capitalização das empresa passa, também, pela política fiscal que deveria promover a equiparação entre capitais próprios e capitais alheios (penalizando, até, os últimos). Esta crise poderia ser a justificação para promover uma medida “one-off” nesta matéria.

Impõe-se, também, a eliminação do regime da transparência fiscal cuja manutenção no sistema tributário português é hoje pouco mais do que incompreensível. Poderão ser invocadas inúmeras razões jurídicas para justificar esta eliminação mas, mais do que isso, é o bom governance que o impõe. Mais do que não promover, a legislação atual penaliza a constituição de reservas, o que determina que estas sociedades estejam hoje em piores condições para fazer face às dificuldades conjunturais.

Por fim, e ao nível da parafiscalidade exigir-se-ia a redução temporária das contribuições para a Segurança Social, quer ao nível dos empregadores, quer dos trabalhadores ainda que sujeita à condição da manutenção dos postos de trabalho. É preferível assegurar um posto de trabalho do que suportar, de seguida, subsídios de desemprego.

Não restem dúvidas de que a grande maioria das empresas que compõem o tecido empresarial português, PME na sua quase totalidade, terá o seu balanço fortemente afetado por esta crise. Estranho seria que assim não fosse.

Mas mais do que perceber como sairão as empresas da crise, é obrigação do decisor político tentar evitar que muitas fiquem pelo caminho e, nesta demanda, medidas de simples diferimento no pagamento de impostos não são pouco, são quase nada.

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