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Um BCE mais verde?

A introdução de critérios “verdes” significa abandonar o princípio da “neutralidade de mercado”, que visa limitar as distorções involuntárias dos preços que são prejudiciais ao funcionamento dos mercados.

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O debate sobre o envolvimento do Banco Central Europeu (BCE) na luta contra as alterações climáticas, e as suas modalidades, está a acelerar. Christine Lagarde, a sua presidente, e Jens Weidman, o presidente do Bundesbank, falaram ambos sobre o tema na conferência “ILF - Green Banking e Green Central Banking” a 25 de janeiro. A questão vai ser abordada na revisão estratégica do BCE, prevista para o outono, e a instituição acaba de criar um centro para as alterações climáticas, para definir o seu plano de ação nesta área.

Um tema, bastante político, parece ter sido esclarecido: a interpretação do mandato do BCE. Christine Lagarde estabeleceu claramente que as alterações climáticas têm repercussões no seu objetivo principal de estabilidade de preços, em particular ao criar “volatilidade de curto prazo no produto e na inflação por via de acontecimentos climáticos extremos e, se deixadas sem solução, podem ter efeitos duradouros no crescimento e na inflação”. Por seu lado, Jens Weidman reconheceu o impacto das alterações climáticas nos mandatos da estabilidade financeira e dos preços. Resta perceber qual vai ser o âmbito desta intervenção, sendo o “greening” da política monetária o mais controverso.

A introdução de critérios “verdes” significa abandonar o princípio da “neutralidade de mercado”, que visa limitar as distorções involuntárias dos preços que são prejudiciais ao funcionamento dos mercados. Mas não está já vencido em vista do impacto das políticas monetárias acomodatícias sobre os preços dos ativos, em particular o imobiliário e a valorização dos mercados de ações?

O BCE poderia aumentar suas compras de Green Bonds, tornando-se um player ainda mais poderoso neste mercado composto por 42% de obrigações soberanas e 58% de obrigações corporativas, dos quais já detém cerca de um quarto das securities por via dos seus programas de compras do Setor Empresarial/Corporativo (da sigla em inglês, CSPP) e do Setor Público (PSPP).

Qual pode ser o impacto? Uma maior presença do BCE neste mercado ainda restrito (273 mil milhões de euros lançado por emitentes europeus, incluindo 217 mil milhões de euros elegíveis para o CSPP) poderia levar ao efeito de exclusão dos investidores privados; a menos que a mensagem do banco central seja forte o suficiente para provocar um diferencial nos preços – atualmente não existe um prémio sistemático para a emissão de green securities – e, portanto, forçando mais emissores a usar este segmento de mercado. Para ter um impacto real na transição ecológica, a ação do BCE teria igualmente de reduzir o enviesamento setorial do mercado de Green Bonds, onde, atualmente, os bancos e as utilities são os principais players (28% e 18% do índice, respetivamente), e incentivar os emissores do setor industrial, que detêm o maior potencial de impacto na redução de carbono, a aderir.

O BCE poderia também integrar critérios de análise extrafinanceira nas suas compras de obrigações corporativas. Dado o peso do BCE nos mercados obrigacionistas da Zona Euro, o impacto no financiamento empresarial seria fundamental. Mas que indicadores seriam usados? No seu discurso, Christine Lagarde destacou a falta de dados sobre o clima e a falta de normalização. Para Lagarde, a própria taxonomia europeia parece-lhe ainda deficiente em detalhes concretos.

Por outro lado, quais seriam as modalidades? Introduzir exclusões seria o mais eficaz. Mas eliminar certas empresas, ou restringir as compras às best-in-class, pesaria nos spreads das emissões daqueles com piores desempenhos, o que não seria necessariamente a melhor maneira de os ajudar na sua transição energética.

Por último, importa notar que, ao introduzir critérios ambientais na sua política monetária, o BCE está, de facto, a decidir sobre o mix energético e as modalidades da transição ecológica – e, em particular, sobre a exclusão ou não de determinadas atividades assentes no carvão. Isso não aconteceria sem provocar difíceis debates políticos nos países da Zona Euro.

As economias já começaram a sua transição para uma economia de baixo carbono, uma transição ecológica, económica e social. Se o BCE decidir incluir objetivos climáticos na sua política monetária, o plano terá de ser claro, preciso e acompanhar a transição. Terá de ser integrado no Green Deal europeu e ter em conta as consequências que uma desaceleração pode ter nas suas compras de ativos, mesmo num futuro distante.

O BCE tem um papel a desempenhar, mas deve calibrar com precisão a sua intervenção. Isto porque, no final, como sublinhou Christine Lagarde, se o BCE é um ator nas alterações climáticas, não é o seu impulsionador: cabe antes de mais aos Estados assumir a sua responsabilidade e aos investidores ajudá-los.

 

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