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BCE: a dificuldade de uma política de controlo da “yield curve”

Na verdade, o BCE controla já a “yield curve” por via das suas ferramentas, dos seus alertas aos mercados através das intervenções públicas firmes de Christine Lagarde e a sua orientação futura. Ao fazê-lo, sinaliza claramente aos mercados que não vai permitir que os juros aumentem além de um certo limite, não especificado.

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O aumento dos juros de longo prazo nos EUA observado nas últimas semanas, com a taxa a 10 anos a passar de 0,9% no final de dezembro para 1,6% em meados de abril, é uma consequência bastante lógica da melhoria nas perspetivas económicas dos Estados Unidos. Esta mudança de regime teve repercussões fora, e em particular na Zona Euro, levando o Banco Central Europeu (BCE) a anunciar na sua reunião de 11 de março que aumentaria o ritmo de implementação do seu programa de compra de emergência pandémica (PEPP) no trimestre seguinte. Para Christine Lagarde, a sua presidente, o aumento dos juros de longo prazo não é desejável e representa um risco para as condições de financiamento da economia, principalmente se for muito rápido. Com o balanço do BCE nos 70% do PIB da Zona Euro, deveria o BCE adotar uma política de controlo da curva de rendimento (YCC) mais radical, como alguns sugeriram?

Uma política de YCC consiste na divulgação pelo banco central (BC) de uma taxa de referência para os títulos do Tesouro com diferentes maturidades, por exemplo de 3 a 10 anos, além do controlo dos juros de curto prazo. O banco central compromete-se então a comprar títulos suficientes para evitar que a taxa ultrapasse a sua meta. Assim que os mercados obrigacionistas compreendem o compromisso do BC, o preço-alvo passa a ser o de mercado. Uma política de YCC, que se concentra nos preços das obrigações, difere da flexibilização quantitativa (QE), a qual se concentra na quantidade de obrigações que o BC planeia comprar.

Combinar uma política YCC com as compras de ativos em grande escala não é algo sem precedentes. A YCC foi usada pela primeira vez nos Estados Unidos entre 1942 e 1947. O objetivo da Fed era gerir o esforço de guerra dos EUA e limitar as taxas de juro de longo prazo, para que o governo federal conseguisse encontrar financiamento barato. No final da guerra, a inflação atingiu os dois dígitos, mas a Reserva Federal, numa política de repressão financeira, manteve os juros baixos, empurrando os juros reais para território negativo. Desde 2016, o Banco do Japão (BoJ) adicionou uma taxa de referência de 0,0% para as securities a 10 anos à sua meta de curto prazo. Finalmente, o exemplo mais recente é a meta do banco central australiano de 0,25% para os títulos soberanos australianos a três anos em março de 2020, a qual foi reduzida para 0,1% em novembro do mesmo ano.

No Japão, o YCC permitiu que o BoJ mantivesse as taxas dentro da meta, apesar do aumento das taxas nos EUA, ao mesmo tempo em que comprava menos obrigações do que no QE iniciado em 2013, desacelerando assim a expansão do seu balanço. Entre as desvantagens de tal política está a dificuldade em sair dela, algo que os EUA experimentaram no final dos anos 1940. Além disso, o YCC é difícil de manter durante uma recuperação económica: se levar a uma pressão em alta sobre os juros de longo prazo, exige que o BC aumente consideravelmente as suas compras para cumprir os seus objetivos. Por fim, não se deve esquecer que os mercados gostam de testar os bancos centrais. Para estes últimos, entrar num YCC significa colocar a sua credibilidade em jogo no dia a dia por via dos juros de mercado, que podem levá-lo muito longe nas suas compras. É de notar que o balanço do BoJ representa 130% do PIB japonês (36% no caso da Fed).

Na Zona Euro, uma política de YCC enfrentaria três obstáculos. Em primeiro lugar, constitucional: o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia proíbe o financiamento monetário dos défices públicos, aos quais podem ser assimiladas quantidades ilimitadas de compras de ativos. Em segundo, técnico: o BCE, como único banco central numa união monetária composta por 19 países, cada um a emitir a sua própria dívida, não tem uma única meta à sua disposição.

Finalmente, político: o programa de 1850 mil milhões de euros no âmbito do PEPP está já a ser debatido no Conselho de Governadores do BCE. Esta divisão de longa data mantém-se acentuada, como mostram as atas da reunião de março, com alguns a defender um aumento mais limitado nas compras do PEPP e a decisão de reavaliar os valores até ao final de junho. Portanto, é difícil imaginar o Conselho a passar um cheque em branco à uma política de YCC.

Na verdade, o BCE controla já a “yield curve” por via das suas ferramentas, dos seus alertas aos mercados através das intervenções públicas firmes de Christine Lagarde e a sua orientação futura. Ao fazê-lo, sinaliza claramente aos mercados que não vai permitir que os juros aumentem além de um certo limite, não especificado. Até agora, isso está a funcionar, num contexto em que, sublinha-se, os juros americanos estabilizaram.

“Os investidores podem testar-nos o quanto quiserem”, afirmou Christine Lagarde em entrevista no final de março. Mas é realmente esse o caso? Na realidade, o BCE não possui um instrumento permanente que lhe permita absorver tantos títulos quanto deseja. Assim, como será o BCE capaz de evitar que os juros reflitam os fundamentais mais de perto numa área económica cada vez mais heterogénea, assim que os programas forem desacelerados ou desligados?

 

 

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