Opinião
Superar a divisão entre credores e devedores na Zona Euro
A cada momento, temos de encontrar soluções eficazes dentro de determinadas restrições políticas. Mas agora já podemos dizer que a Zona Euro está mais bem equipada para lidar com uma futura crise, quando ela chegar.
Capturado entre interesses divergentes dos Estados-membros, o euro é muitas vezes considerado irreformável. De acordo com essa perspectiva, só sob a pressão de uma crise é que os europeus conseguem chegar a acordo quanto à necessidade de corrigir as falhas da nossa União Económica e Monetária.
O pacote de reformas preparado no Eurogrupo, na semana passada, deveria encorajar uma reavaliação de tal raciocínio. O acordo, selado após uma longa noite de negociações, demonstrou que a Zona Euro pode, nalguma medida, superar a divisão entre credores e devedores, outrora considerada uma ameaça paralisante.
Essa dicotomia já não retrata com justiça o cenário político no grupo de ministros das Finanças da Zona Euro. Hoje, os Estados-membros definem os seus interesses de forma mais complexa e específica, ao mesmo tempo que compreendem melhor os desafios comuns. O mundo mudou desde a crise e o Eurogrupo mudou com ele.
Este cenário mais heterogéneo aumenta as hipóteses de compromissos sobre reformas incrementais. Estamos a tirar proveito deste momento. O relatório do Eurogrupo, que vou apresentar aos chefes de Estado e de governo na sexta-feira, exigiu concessões de todos, mantendo-se coerente, tanto em termos económicos como políticos. Não estão em causa vitórias ou derrotas - estas são palavras de outra era.
Reforçámos as ferramentas para lidar com bancos falidos, ao mesmo tempo que nos comprometemos a reduzir o crédito malparado e a construir almofadas financeiras para absorver potenciais perdas dos bancos. Aceitámos introduzir cláusulas nos contratos de títulos soberanos para tornar os processos de reestruturação de dívida mais fáceis, e ao mesmo tempo melhorar as ferramentas de financiamento existentes para travar o contágio entre Estados-membros durante uma crise.
Mas a reforma do euro não acaba aqui. O acordo abre caminhos para explorar nos próximos meses. Vou pegar nessas pontas soltas em cada Eurogrupo durante o primeiro semestre.
Precisamos de um sistema europeu de garantia de depósitos (EDIS) para reduzir o risco de corridas aos bancos. Sobre um modelo em concreto ainda não há consenso à vista, mas hoje ninguém contesta a ideia em si - é só uma questão de calendário e sequência. No início de 2019 vamos definir um mandato para um grupo de trabalho de alto nível para nos ajudar a quebrar o actual impasse.
Também vamos continuar a trabalhar em soluções que garantam a provisão de liquidez na resolução bancária. E vamos traduzir as novas tarefas do Mecanismo Europeu de Estabilidade em directrizes e uma revisão do tratado.
No que respeita ao orçamento da Zona Euro, o caminho está traçado. Sob orientação dos líderes europeus, vamos trabalhar num instrumento orçamental não cíclico que apoie o processo de convergência e promova a competitividade das nossas economias. Ao longo do tempo, esse orçamento deverá contribuir para aproximar os países, tanto em termos sociais como económicos. Outros instrumentos, como uma ferramenta de estabilização, precisam de mais tempo e debate, mas não vamos perder o nosso foco nesta fase. Estas ferramentas devem complementar - e não substituir - o nosso compromisso com políticas sustentáveis e com as regras orçamentais que sustentam o euro.
É tentador desvalorizar a importância de pequenos passos no processo de integração. Na verdade, eles permitem-nos testar e criar apoio político para diferentes soluções, que ao longo do tempo podem ser substituídas, ajustadas ou ampliadas, especialmente em resposta a crises.
A história da união monetária dos Estados Unidos é uma boa referência. As reformas de Alexander Hamilton - que convenceu os estados a renunciar ao poder monetário em troca da cobertura das suas dívidas no rescaldo da Revolução Americana - foram revertidas três décadas depois. Foi necessário um século e meio para as instituições monetárias dos Estados Unidos evoluírem para um sistema que pudesse devolver a estabilidade nos anos 1930.
O caso do seguro de depósitos é exemplificativo. O Congresso dos Estados Unidos discutiu cerca de 150 propostas durante mais de 50 anos, antes de a ideia se tornar politicamente aceitável, já no auge da Grande Depressão. Na Europa, estamos a fazer melhor - e é importante reconhecer isso.
Não existe um modelo de estrutura institucional que tenha de ser replicado. A cada momento, temos de encontrar soluções eficazes dentro de determinadas restrições políticas. Mas agora já podemos dizer que a Zona Euro está mais bem equipada para lidar com uma futura crise, quando ela chegar.
Nota: este artigo de Mário Centeno é publicado em simultâneo em Portugal no Jornal de Negócios, na Alemanha no Handelsblatt, em França no Les Echo, em Itália no Il Sole 24 Ore e em Espanha no Expansión
Presidente do Eurogrupo