Opinião
Portugal e Marrocos em África: uma parceria adiada?
A ambição da CEDEAO é estabelecer uma comunidade regional política e economicamente integrada em conformidade com os princípios da democracia, do Estado de direito e da boa governação.
O Reino de Marrocos é um Estado-membro da União Africana, para cuja presidência do Conselho para a Paz e a Segurança foi eleito no passado dia 25 de Janeiro em Adis Abeba, da União do Magrebe Árabe, do Diálogo 5+5 para o Mediterrâneo e da União para o Mediterrâneo. Destas duas últimas organizações Portugal também faz parte. Tem ainda um acordo de associação com a União Europeia (UE), tendo-lhe sido concedido em 2008 o estatuto avançado na sua relação, sendo o único país beneficiário do mesmo entre os países do Magrebe.
Em Junho de 2015, Marrocos assinou com a OCDE um programa, o "Morocco Country Programme", nos termos do qual a OCDE apoia com as suas competências as reformas em curso no país impulsionadas pelo rei.
Além disso, Marrocos solicitou em 2014 o estatuto de Observador Associado da CPLP, bem como a adesão à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), da qual fazem parte dois Estados lusófonos da CPLP, Cabo Verde e a Guiné-Bissau, além de mais treze Estados francófonos e anglófonos.
A ambição da CEDEAO é estabelecer uma comunidade regional política e economicamente integrada em conformidade com os princípios da democracia, do Estado de direito e da boa governação. Entretanto, oito Estados (nos quais se inclui a Guiné-Bissau), referidos quinze membros da CEDEAO, estão já ligados por uma moeda comum, o franco CFA, constituindo a União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA).
Analisando a estratégia da recente política económica externa marroquina face às pertenças do Reino ao continente africano, ao mundo árabe e ao estatuto avançado da sua ligação à UE, percebe-se que Marrocos se vem colocando como uma importante plataforma de negócios e investimentos que ligam a Europa a África.
Nessa linha, acaba de ser criado no MNE de Marrocos o posto de ministro-delegado dos Assuntos Africanos com a nomeação para o dito cargo, no passado dia 22 do corrente mês de Janeiro de 2018, do empresário Mohcine Jazouli.
Acresce que, no momento em que se iniciam as negociações para o pós-Acordo de Cotonou, alguns Estados-membros da União Europeia e/ou fortes correntes no interior de outros tantos daqueles Estados defendem que o Acordo que ligará a UE a África deve incluir os países do Norte de África, o que não é actualmente o caso.
Também aqui novas oportunidades para as empresas aparecerão, já que parece ser unânime entre as partes que no pós-Cotonou o papel do sector privado nas relações entre a Europa e África serão reforçadas e alargadas.
Será também importante seguir eventuais alterações estruturais nas relações institucionais entre a UE, a União Africana e as comunidades económicas regionais de África.
Também ao nível do financiamento do plano de investimento externo da União Europeia, o Banco Europeu de Investimento contará com fundos específicos com condições próprias para os países do Magrebe em especial Marrocos e a Argélia.
Não é assim difícil perceber a crescente importância que uma parceria com Marrocos pode ter para as empresas portuguesas, tanto mais que, como assinala o Ministério das Finanças marroquino, o Reino dispõe actualmente de mais de 500 acordos de cooperação económica com os Estados africanos, incluindo na maioria dos casos tarifas aduaneiras preferenciais.
Além disso, como nota a Ernst & Young (EY) no seu relatório de Maio de 2017, "com um montante de investimento directo estrangeiro (IDE) estimado em 4.000 milhões de USD em 2016, Marrocos disputa o primeiro lugar à África do Sul" no montante investido. E acrescenta a EY que, graças aos investimentos das empresas marroquinas em África em 2016, foram criados 3.957 novos empregos, mais do que os 2.925 empregos criados por empresas sul-africanas. No total, os postos de trabalho criados em 2016 pelos investidores marroquinos representaram 3,1% dos empregos criados pelos IDE em África.
Esta ambiciosa estratégia marroquina em África tem subjacente a implantação de empresas nos mercados regionais do continente, de que o pedido de adesão à CEDEAO é um exemplo.
Conscientes das vantagens duma plataforma marroquina para África, o MEDEF-Mouvement des Entreprises de France, principal confederação patronal de França, e a CEOE-Confederación Española de Organizaciones Empresariales, a sua congénere de Espanha, já estão em acção nesse sentido, complementando a acção política dos seus Governos.
Em 15 e 16 de Novembro passado, o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, co-presidiu em Rabat com o seu hómologo marroquino, Saad Edine El Othmani, ao 13.º Encontro de Alto Nível entre os dois países, do qual resultou a assinatura de uma vintena de acordos. Acompanharam o primeiro-minitsro Phillippe 10 ministros do seu Governo, tendo por ocasião do Fórum Económico Marrocos-França afirmado perante uma plateia de empresários marroquinos e franceses que acreditava "na capacidade das empresas francesas em conquistarem mercados em África e a aí se desenvolverem a partir da plataforma de Marrocos".
Simultaneamente uma delegação do MEDEF, presidida pela sua vice-presidente, Marie-Ange Debon, reuniu-se com a sua congénere patronal marroquina, a CGEM, entre outros assuntos sobre a "parceria franco-marroquina para África".
Estas deslocações terão precedido uma viagem oficial a Rabat do Presidente Macron, em 2018.
Relativamente a Espanha, depois de o ministro espanhol de Assuntos Exteriores, Alfonso Dastis, ter publicamente declarado em meados de 2017 que Espanha tem com Marrocos uma relação bilateral "privilegiada e estratégica" em todos os âmbitos e no seio da União Europeia, decidiram aprofundá-la ainda mais e "estendê-la a África".
Entretanto está em preparação a visita oficial do rei de Espanha, Filipe VI, a Marrocos, prevista para Março próximo, e a Reunião de Alto Nível entre os dois Governos.
Para solidificar a estratégia Marrocos-Espanha para África, foi criado no passado mês de Novembro o Consejo Económico Marruecos-España por iniciativa da CEOE e da referida CGEM para promover as parcerias empresariais.
E Portugal?
Portugal e Marrocos têm desde 2011 um Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação e os dois países realizam cimeiras bilaterais anuais, tendo a última tido lugar no passado mês de Dezembro.
Cerca de 200 empresas portuguesas já operam em Marrocos.
Além de Lisboa ser a cidade-capital mais próxima de Rabat, temos laços suficientemente antigos, diplomáticos, bilaterais e multilaterais que justificam o interesse recíproco dos dois países nas suas respectivas políticas económicas externas incluindo África e as suas comunidades económicas regionais onde em três das quais se integram Estados-membros da CPLP.
Na mesma linha, por exemplo, de Espanha e França, é assim importante para a comunidade empresarial portuguesa conhecer os precisos e concretos termos em que nas referidas cimeiras bilaterais anuais são apreciados e eventualmente definidos os papéis recíprocos de Portugal e Marrocos na sua cooperação bilateral e multilateral com África.
Afinal, por que razão, em cerca de 19 anos de reinado, o rei de Marrocos Mohamed VI nunca visitou oficialmente Portugal, o que certamente contribuiria para ampliar as relações entre os dois países?
Nota: O autor escreve em nome pessoal
Presidente do Conselho Estratégico para a Cooperação, Desenvolvimento e Lusofonia Económica