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Os CTT devem ser privatizados?

Os CTT são uma empresa pública com uma história de modernidade, mesmo depois do “spin off” da PT. Gera lucros e emprega milhares de pessoas. A única certeza que temos se a privatização ocorrer é que os despedimentos vão aumentar.

 

1.Os CTT são um dos anéis mais valiosos do Estado. É a jóia que se segue nesta venda ao desbarato dos bens públicos. Mas não são mero ornato ou fardo financeiro. Pelo contrário prestam um serviço público essencial, empregam milhares de pessoas e podem constituir fonte de receita para o orçamento. Valerá a pena alienar?   Ou estaremos de novo apenas a executar um modismo fundamentalista, que já provou em nada beneficiar a economia real ?

2.Como enfaticamente alguém recordou há poucos anos, ao fim de 500 anos, os CTT entregavam pela primeira vez lucros ao Estado. Ficou então provado que o maior empregador público de Portugal podia ser gerido de forma a dar lucros. E, desde aí, a empresa tem repetido os resultados positivos, apesar das muitas mutações que perpassam no sector postal.

3.Portugal caracteriza-se por ter uma rede postal de grande capilaridade, com elevados índices de densidade (habitantes/posto de correio) e de cobertura (postos/ 100 km2), mas capitação postal muito baixa (objectos/ano). Causas profundas ou conjunturais, como a baixa escolaridade, a urbanização dispersa ou a recessão económica podem ajudar a explicar a baixa rentabilidade dos postos e a pressão para o encerramento de alguns.

4.Com mão de obra extensiva e uma rede com função social inegável nos pequenos aglomerados, os CTT não são apenas a memória das malapostas, o romantismo do carteiro que ainda toca uma vez por dia, a marca que ganhou a confiança dos pequenos aforradores e das missivas mais confidenciais. Os CTT são uma empresa moderna, que tem sabido adaptar-se tecnologicamente, com produtos inovadores mundialmente (o Via CTT) e capacidade de diversificação.

5.O futuro não é, porém, tranquilizador. Tudo está a mudar muito rapidamente. Por três razões. Em primeiro lugar, já “ninguém escreve ao Coronel”. O General do Afeganistão já não escreve cartas de amor, recebe “mails” no seu próprio endereço. Ler jornais para tomar o pequeno almoço? Sim, mas pela assinatura digital no ipad…O correio privado quase desapareceu. Mais de 90% do tráfego postal é de origem empresarial. As famílias afectam 0,1% do seu orçamento familiar às necessidades de correio. Há, portanto, um tremendo efeito de substituição do papel escrito pela comunicação electrónica.

6.Em segundo lugar, no cumprimento das Directivas europeias, o sector foi totalmente liberalizado e os CTT confrontam-se agora com concorrência em todas as vertentes, excepto nas áreas reservadas, como as notificações judiciais e os envios registados. É certo que, no correio “não expresso”, continuam a dominar o mercado em cerca de 99%; mas, no sector “expresso”, a quota dos operadores alternativos ronda já os 60%.  Esta mudança induz competitividade e pode trazer melhoria da oferta. Mas mostra que os privados, no curto prazo, só estão interessados no “bife” e não nos ossos do ofício.

7.Em terceiro lugar, porque o próprio âmbito de Serviço Universal têm vindo a ser relativizado. Continuará a fazer sentido distribuir o correio uma vez por dia, todos os dias da semana e em todo o País? Parece que sim. Mas o prestador terá de ser público? Ou os grandes distribuidores privados poderão ser (sub) contratados nas zonas onde for mais eficiente fazê-lo? As Juntas de freguesia podem constituir parcerias? E a regulação não deveria ter mais poderes, para prevenir excessos e omissões e velar pela qualidade do serviço público?

8.Antes de privatizar os CTT, o Governo devia ponderar nestas e noutras vertentes. Como se privatiza acautelando os valores da inviolabilidade, sigilo e segurança? Num país com elevada cobertura de internet em banda larga, caminhamos a passos largos para uma universalização do correio electrónico, mesmo empresarial. Mas como estão os índices de utilização efectiva da internet pelas famílias e pelas empresas? E os serviços públicos, com notáveis exemplos de desmaterialização (Fisco, pois claro, tribunais, CTT) poderão bastar-se com as notificações digitais?

9.Se o caminho for este, o não digital ficará reduzido às encomendas. Mesmo estas, com notáveis revoluções nas plataformas logísticas comandadas pela internet das coisas (RFID) e pela robótica. E, na actual conjuntura, o velho sonho da licença bancária para a muito competitiva rede de balcões, parece de novo adiado.

10.Os CTT são uma empresa pública com uma história de modernidade, mesmo depois do “spin off” da PT. Gera lucros e emprega milhares de pessoas. A única certeza que temos se a privatização ocorrer é que os despedimentos vão aumentar. Os privados maximizam os lucros e minimizam os custos sociais. Mas o Estado pode manter as receitas e manter os empregos. Com a privatização, a qualidade não melhora. Piora o emprego. Pioram as receitas anuais do Estado. Aumenta a despesa social. O Estado fica outra vez mais pobre. Antes de privatizar os CTT, talvez valha a pena pensar em tudo isto.                   

  • Docente da Faculdade de Direito de Lisboa              
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