Opinião
O Eucalexit e os eco-Farage portugueses
Se o Eucalexit triunfar (…), os eco-Farages nacionais rejubilarão nesse "Dia da Independência", partirão alegremente no dia seguinte para outros combates populistas e fracturantes… e os portugueses ficarão mais pobres e os seus filhos herdarão um futuro ainda mais endividado.
Nota: Este artigo está acessível, nas primeiras horas, apenas para assinantes do Negócios Primeiro.
Os "neologismos oportunistas" que integram o título acima, resultam do estabelecimento - por mim e por muitos… - de uma preocupante analogia entre o recente resultado do referendo do Reino Unido sobre a sua permanência ou não na União Europeia (com a não tão esperada vitória do Brexit) e o comportamento político e económico do seu mentor principal, o Sr. Nigel Farage, e a situação do eucalipto em Portugal e o (futuro) comportamento político e económico dos mentores (óbvios eco-Farages, como se verá) da sua saída (daí o Eucalexit..) de Portugal, tal qual o conhecemos por cá, há já muitos anos.
Senão, vejamos: mais de trinta milhões de eleitores britânicos (mais de metade dos que votaram) disseram estar fartos das burocracias e das interferências políticas e regulamentares de Bruxelas e votaram Brexit; e a principal cara dos que votaram este desfecho, o dito Sr. Farage, que proclamou a desejada vitória no referendo como o "Dia da Independência" (tal qual como qualquer líder de fortes convicções perante batalhas decisivas e difíceis, de Afonso Henriques a Fidel de Castro, de Ho-Chi-Min a Garibaldi, de Lenine a Bolivar, etc., etc.)… foi-se embora no dia seguinte!
O que ninguém vira antes, de facto, foi um protagonista de tão difíceis vitórias e independências, com necessários e inevitáveis custos económicos e sociais (não se discute aqui a bondade ou o erro desses custos), sair de cena no dia seguinte, sem deixar doutrina ou alternativas económicas e sociais consistentes com as suas teses!
Como se diz em Portugal: "Quem vier atrás que feche a porta…!"
Pois é exactamente isto que pode estar em vias de acontecer com a história do eucalipto em Portugal, protagonizada pelos pequenos eco-Farages deste país.
Um grupo político, histórica e socialmente minoritário (Os Verdes) - que nunca foi a votos sozinho (algo que não se pode dizer do UKIP do Sr. Farage) - entra no grupo multifacetado e de objectivos programáticos bem diversos que apoia o actual Governo (legitimamente, aliás), distancia-se significativamente do seu tradicional mentor, o PCP (que nunca teve abordagem fito-racista sequer parecida) e "exige" que o eucalipto seja (na prática) banido de Portugal, exactamente ao contrário do que diz defender o quadro global do Programa do Governo (ver na nota final a parte que este partido exigiu que figurasse no texto do Programa do actual Governo, segundo os próprios o afirmam nos media), ou seja, a melhoria do rendimento dos proprietários florestais e da floresta portuguesa, a melhoria da sua produtividade e da competitividade internacional do sector silvo-industrial que tem, na principal fileira florestal nacional (uma de três), o eucalipto como único suporte para a sua sobrevivência!
São centenas de milhares de hectares de terra sem outra aptidão agrária rendível conhecida, propriedade de centenas de milhares de portugueses; são rendimentos dos produtores florestais (na maioria pequenos e muito pequenos) e dos empresários de corte e transporte de madeiras da ordem dos 250 milhões de euros anuais; é um "cluster" precioso para a dinâmica e riqueza do interior do país (viveiros, empreiteiros de preparação do terreno e do corte das árvores); mais de 30 milhões (!) de quilómetros percorridos anualmente por uma frota de camiões de vital importância para os abastecedores locais de combustíveis, para as pequenas garagens e metalo-mecânicas; são, enfim largos milhares de postos de trabalho directo e indirecto na indústria transformadora e nos serviços; são por último 2.000 milhões de euros de exportações líquidas do maior valor acrescentado nacional que se regista em Portugal e é, até ao colapso final dessa fileira (e ao encerramento, perante a aparente distracção das forças sindicais, das unidades fabris da indústria pesada que melhor pagam em Portugal), o fim do investimento no subsector e o acréscimo permanente (até ao economicamente insustentável) da importação de eucalipto em rolaria e em estilhas (vale já hoje a pena passar nos portos de Setúbal e Leixões e ver a permanente montanha de madeira de eucalipto importada que se poderia produzir entre nós), desequilibrando ainda mais uma balança comercial onde, de há vários anos para cá, brilham os produtos florestais, nomeadamente a pasta celulósica e, desde a década de 1990 de forma fulgurante, o papel de impressão e escrita exportado para mais de 160 países!
E o que defendem esses eco-Farages cá do burgo? Que se proíba a plantação e replantação de eucaliptais e que se considere o dito eucalipto como uma "espécie invasora" a erradicar. Trata-se de uma estratégia "nova" iniciada e afirmada com pompa e circunstância numa publicação mediática coordenada por um eco-militante, em 2007, o mesmo que, em 2015 co-escrevia, de forma bem mais moderada, num artigo publicado em revista científica irremediavelmente inquinado de "junk science" (porque os autores têm aí o desplante de se autocitarem capciosamente e de forma circular) que "it is important to study and monitor plantations of alien species" e que "eucalyptus are generally viewed as markedly less invasive than several other widely cultivated trees, (e.g. pines)"!
E tudo isto parece estar em vias de ser aceite por um governo de um grande partido nacional responsável que, em tempos não muito distantes (e mais exactamente nas três últimas Legislaturas da Assembleia da República), apostou numa regulação responsável das plantações e na competitividade deste sector da economia, como forma de aumentar as exportações e de criar riqueza no interior a partir - e atenção porque isto é importante e repito-o - de solos pobres/paupérrimos sem qualquer outro uso económico alternativo.
Se o Eucalexit triunfar (se o Governo, pelos Ministérios da Agricultura, da Economia e do Ambiente "referendarem" legislativamente esta ideia peregrina), os eco-Farages nacionais rejubilarão nesse "Dia da Independência", partirão alegremente no dia seguinte para outros combates populistas e fracturantes… e os portugueses ficarão mais pobres e os seus filhos herdarão um futuro ainda mais endividado.
Cabe obviamente ao primeiro-ministro, bom conhecedor da realidade florestal do país, e ao Parlamento português, maioritariamente surpreendido e chocado com o Brexit, reflectirem seriamente (e em tempo útil) sobre esta bem triste e preocupante analogia!
Nota final:
- "Aumentar a produção e a produtividade das fileiras florestais através do aumento das áreas de pinheiro-bravo e do montado de sobro e de azinho, travando a expansão da área do eucalipto…" in Programa do XXI Governo, pág. 179 que explicita a seguir (pág. 181) como:
"Valorizar os ativos florestais
A fileira florestal nacional deve constituir uma alavanca para a estratégia de desenvolvimento económico do país. Nessa perspetiva, o governo compromete-se a:
- Apoiar o movimento associativo florestal;
- Desenvolver as fileiras do setor florestal e aumentar a rentabilidade dos
proprietários florestais;
- Estimular a certificação da gestão florestal sustentável e a criação de novas áreas de negócio no mercado florestal;
- Apoiar a investigação aplicada para o aumento da produtividade e de novos modelos de silvicultura."
Comentário do autor: por ironia (ou talvez não) nenhuma outra fileira silvo-industrial portuguesa tem respondido melhor a estes quesitos do que a fileira eucalipto/papel!!!!
Vinte anos no sector florestal público, vinte anos na fileira silvo-industrial do eucalipto e primeiro secretário de Estado das Florestas de um Governo Constitucional (XV).