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O clima e a produção de uva: reclamar subsídios ou proteger as colheitas?

As apólices de seguro existem há centenas de anos (em Portugal estão regulamentadas desde o século XIV) e são a ferramenta ideal para mitigar o risco. Também nas colheitas assim é.

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Está na nossa memória o primeiro fim-de-semana de Agosto, com um calor infernal em todo o país e o aparecimento do grave incêndio em Monchique. Na mesma data, milhares de agricultores em Portugal viram as suas culturas afectadas por um fenómeno geralmente referido como o escaldão: o efeito extremo do sol sobre a planta e em particular sobre os frutos, desidratando-os. O escaldão é particularmente grave na vinha porque queima os cachos e destrói a colheita.

 

A agricultura é mesmo assim, uma fábrica a céu aberto. O agricultor pode tomar medidas mas, em última análise, é muito vulnerável à meteorologia. Tudo o que sejam fenómenos extremos ou fora de época colocam em causa o ciclo normal das plantas. Sem extrapolar para outras áreas, cito aqui o exemplo do escaldão de 3 e 4 de Agosto sobre a vinha que afectou milhares de produtores em todo o país, impondo perdas que, em alguns casos, excedem os 40%.

 

A atitude tradicional em casos destes é vir a público pedir apoios. A comunicação social é geralmente sensível a estes casos, reportando-os com emoção. Chamam-se os autarcas, alguns deputados mais envolvidos com a realidade local e gera-se um coro de súplicas dirigidas ao Governo em funções - o qual, para não aparecer mal nas notícias das oito, anuncia umas medidas solenes com voz grave, geralmente com escasso efeito prático para os agricultores atingidos. Além de ineficaz, o método é péssimo para a imagem da agricultura, que é percebida como uma actividade frágil e dependente e não como realmente deveria ser, um sector económico relevante, activo, com boa gestão e gerador de futuro para o país.

 

A alternativa de tudo isto é, naturalmente, o seguro de colheita. É o que faz qualquer família e empresa: externaliza o risco, ou parte das consequências deste, pelo menos. Precisamente para ajudar a modernizar o sector, a União Europeia financia generosamente os seguros agrícolas da vinha. Existem várias seguradoras e mediadoras que oferecem este serviço.

 

No caso dos Vinhos Verdes, a região está toda coberta por uma apólice colectiva subscrita pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) desde 1997, que cobre os sinistros mais relevantes, entre os quais o escaldão. Uma vez afectado pelo sinistro, o agricultor sinaliza as suas perdas, é visitado por um perito que avalia o prejuízo e é indemnizado. Sendo uma apólice colectiva, que agrupa 15.000 agricultores e mais de 100 mil toneladas de uva, há vantagens na negociação em grupo. Trata-se do maior seguro agrícola do país, um dos maiores da Europa e, por isso, naturalmente gera interesse e concorrência por parte das seguradoras.

 

Infelizmente não é este o caso numa boa parte do país. Numa avaliação feita pelo Instituto da Vinha e do Vinho, só 40% da área de vinha nacional contrata um seguro de colheitas e apenas 25% incluem o risco de escaldão nas suas apólices. Sendo que o Vinho Verde é a única região totalmente coberta, em outras regiões são sobretudo as adegas cooperativas que fazem algumas apólices colectivas para os seus sócios. E as maiores empresas privadas seguram as suas colheitas. Os restantes estão condenados a pedir apoios.

 

Uma das externalidades mais interessantes e menos abordada do seguro é ser um registo anual da evolução do clima e da sua zonagem. Nos Vinhos Verdes temos dados de décadas tipificando todos os incidentes climáticos, quando ocorreram e onde. Nota-se, por exemplo, muito claramente que nos anos 90 o Minho sofria de enormes geadas, hoje quase desaparecidas, com o crescimento do granizo e do escaldão.

 

As apólices de seguro existem há centenas de anos (em Portugal estão regulamentadas desde o século XIV) e são a ferramenta ideal para mitigar o risco. Também nas colheitas assim é. Os agricultores dos mais diversos sectores podem segurar as suas produções, seja a nível individual ou, com vantagem, em apólices de grupo e, assim, beneficiar dos apoios que a UE oferece - 7 milhões de euros na programação 2019-23. No sector do vinho em particular e com o crescimento dos fenómenos de granizo e escaldão, é urgente que as associações e Comissões Vitivinícolas Regionais liderem o processo de levar os seguros de colheita aos produtores.

 

A propósito, tem o seguro de sua casa em dia?  

 

Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes

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