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22 de Agosto de 2019 às 19:52

O Brexit e os futuros problemas negociais no seio da União Europeia

Vivemos tempos intensos e preocupantes na União Europeia. O que começou por ser um projecto de paz e de união ameaça hoje desmoronar lentamente.

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A desigual diferença de peso político e de financiamento por parte dos vários países tem ao longo dos anos criado algumas fricções, mas tem sempre prevalecido o projecto comum. O Brexit é, sem dúvida, a primeira grande "machadada" nessa União.

 

Sendo certo que é um processo em curso e com consequências dificilmente previsíveis, é expectável que tenha custos políticos e económicos para todos os países da União - incluindo o Reino Unido. Se muito se tem falado das consequências económicas para todos os países (estudo da CIP indica uma quebra entre 15% e 26% nas exportações portuguesas para o Reino Unido), incluindo para o Reino Unido, pouco se tem falado de consequências políticas no seio da União Europeia ao nível do processo decisório.

 

Actualmente, Alemanha e França representam 29,3% da população (16,2% e 13,1%, respectivamente). Após o Brexit, aqueles mesmos países passarão a representar 33,5% (18,5% e 15,0%, respectivamente).

 

No Conselho da União Europeia prevalece, na maioria dos diplomas, a necessidade de uma maioria qualificada, isto é, 55% dos Estados-membros com uma representação de 65% da população. Outros diplomas exigem apenas uma maioria simples e, outros ainda, exigem unanimidade (e.g., posições, acções e estratégias comuns no domínio da Política Externa e de Segurança Comum). Nestes casos, não parece haver um risco elevado para o processo decisório pois, mesmo com os votos da Alemanha e França (33,5%), continua a verificar-se a necessidade de haver um conjunto de outros países a votar no mesmo sentido.

 

Situação diferente é a que se irá verificar na obtenção de minorias de bloqueio. Para que surja uma minoria de bloqueio, são necessários quatro Estados-membros que representem mais de 35,0% da população. A nova distribuição de peso no seio da União Europeia facilitará a formação de pequenas minorias de bloqueio, bastando o apoio de quaisquer outros dois Estados-membros, além de Alemanha e França, que representem no conjunto 1,5% da população.

 

Em qualquer dos casos, existe o risco de Alemanha e França ganharem demasiado poder, o que é preocupante para o futuro da União Europeia. O Reino Unido tem funcionado muitas vezes como contrapoder, equilibrando as relações de poder dentro da União Europeia, e essa pode ser a principal perda da União Europeia com o Brexit. Está em causa o equilíbrio entre uma visão continental, defendida por Alemanha e França, por contraponto a uma visão atlântica, que sempre foi a do Reino Unido. Esta tensão sempre existiu em frágil equilíbrio, mas a saída do Reino Unido vem desequilibrar a equação.

 

Obviamente a regra definida para as minorias de bloqueio poderia ser alterada de forma a obrigar a que estas necessitem de uma maior representatividade em número de países. No entanto, aquela regra encontra-se inscrita no Tratado da União Europeia e a sua alteração exigiria um voto por unanimidade, o que parece altamente improvável.

Esta alteração dos pesos dos países que resultará da concretização do Brexit irá certamente atrasar o processo decisório, pelo que será particularmente importante a capacidade negocial dos Estados-membros. No entanto, a melhor solução seria uma renegociação da regra consagrada no Tratado que permitisse uma melhor redistribuição do peso entre os países, sem um tão grande peso de alguns países, impedindo que outros tenham um peso muito grande.

 

Em todo o caso, embora a reposição do equilíbrio pouco dependa de Portugal, o país deverá apostar em novas alianças estratégicas que permitam repor algum equilíbrio. A par dessa aposta, Portugal deverá continuar a valorizar a relação com o Reino Unido enquanto parceiro económico estratégico. 

 

Nota: este artigo apenas vincula o seu autor.

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico



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