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Moratórias do nosso (des)contentamento

De acordo com o Banco de Portugal, 50% das famílias que recorreram às moratórias viram os seus depósitos a aumentar. Em 2020 os depósitos das famílias aumentaram 14 mil milhões de euros. É quase o triplo daquilo que era a média anual dos últimos anos.

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Portugal respondeu de forma perentória à necessidade de reagir às dificuldades de empresas e famílias em cumprir as responsabilidades de crédito perante a crise pandémica.

O país tem mais de 46 mil milhões de euros em moratórias de crédito, públicas e privadas, divididas de forma quase igual entre crédito às empresas e crédito pessoal, sobretudo à habitação. É um valor colossal e acima da média europeia.

São cerca de 15% do total das moratórias em toda a UE e, sobretudo, são as mais longas e mais abrangentes. Com este quadro coloca-se uma questão complexa. Como manter este mecanismo até a economia começar a recuperar, sem pôr em causa o equilíbrio do sistema financeiro?

A experiência do passado exige muitos cuidados e já sabemos que o impacto na banca de mais exigências de recapitalização não é neutro para famílias e empresas. A principal ideia é assegurar que o país não sai para fora do chapéu do regulador europeu (EBA) que, nas últimas recomendações, colocou um limite máximo de nove meses para benefício de moratória.

Uma outra evidência que distingue Portugal é que enquanto se verifica uma redução do crédito em moratória no resto da Europa, em Portugal esse montante tem crescido. Sabemos ainda que ultrapassados os nove meses de recomendação da EBA qualquer crédito em moratória entra em reestruturação, com consequências para as famílias e empresas e o sistema financeiro.

Mas é preciso enquadrar o tema.

De acordo com o Banco de Portugal, 50% das famílias que recorreram às moratórias viram os seus depósitos a aumentar. Em 2020 os depósitos das famílias aumentaram 14 mil milhões de euros. É quase o triplo daquilo que era a média anual dos últimos anos.

De resto, a mesma realidade ocorreu nas empresas. Em síntese, a taxa de poupança aumentou para 12%, quando em 2019 tinha sido de 6,8%. Tendo em conta esta realidade, foi aprovado na AR a extensão de moratórias, violando a recomendação da EBA.

Esta aprovação teve os votos do PSD que contraria descaradamente a defesa da União Bancária e coloca este partido fora do quadro do alinhamento europeu, mais próximo das teses do BE ou do PCP.

O PSD sabe que não há condições para levar a bom porto esta decisão, mas mesmo assim juntou-se ao PCP numa atitude que tem tanto de irresponsável como de surpreendente. Se é verdade que este caminho não tem viabilidade, o PSD também sabe que há um contexto que aconselha a extinguir as moratórias e orientar apoios à economia, além de aconselhar soluções junto do sistema financeiro.

Há dois caminhos distintos a seguir, ambos com reforço das garantias do Estado. Por um lado, instrumentos de política pública que assegurem o cumprimento de responsabilidades financeiras pelas famílias.

Neste quadro é preciso reconhecer que o rendimento disponível das famílias não caiu em 2020 como tudo fazia prever, aumentou 0,6%.

E, por outro, reforçar os mecanismos de capitalização das empresas ao mesmo tempo que é estimulado o estabelecimento de soluções acordadas entre a banca e a economia real para evitar que o crédito malparado possa disparar, mesmo sabendo do aumento de depósitos das empresas em 2020.

Ambos os caminhos devem ser dirigidos e proporcionais, pelo que exclui o alargamento abrangente e sem cuidados das moratórias.

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