Opinião
Memória muito afectuosa de Maria Barroso
A poesia e a Maria Barroso fizeram de mim o modesto soldado da liberdade que não quer ser outra coisa. (…) Ela está no meu coração sem rugas, como a amiga de sempre e a senhora modesta e aparentemente tímida que empolgava multidões.
A verdade é que devo a esta mulher franzina e aparentemente frágil parte substancial da minha formação política. Foi-se embora na terça-feira com a delicadeza grandiosa com que sempre viveu. Quando a conheci, era uma rapariga muito bonita e com aquela voz imponente e impositiva com que nos comovia e enleava. Foi a dizer poemas, no pequeno Teatro da Rua da Fé, numa daquelas ruas antigas que desce para a Avenida da Liberdade, o recinto cheio a transbordar, que a vi e ouvi pela primeira vez. Eu era um rapazola dos bairros, dado aos namoros e aos bailes populares (foi num desses bailes, em Alfama, que me levou até lá?, pergunto-me ainda hoje) que conheci a Isaura, minha mulher, vai em cinquenta anos, vejam só!
Numa noite de Verão, numa dessas noites únicas e mágicas de que Lisboa detém o condão e a chama, alguém me sussurrou, no pequeno teatro: "É a Maria Barroso!", com reverência, admiração e espanto.
Não sei que comício era aquele, passaram-se muitas décadas, eu frequentava o curso nocturno dessa grande escola que foi, e é, a António Arroyo, alfobre de gente como o Cesariny, o Vespeira, o Costa Pinheiro, António Casimiro, Octávio Clérigo, António Carmo, aprendia disciplinas que me ensinavam para a vida, com professores lendários pela sabedoria e pela consciência de que lado da cidade nós procedíamos. Foi ali que, com o exemplo e a persistência, homens como Rogério de Andrade, Emílio Menezes, Sande e Castro, outros mais, fizeram dos rapazes dos bairros pobres os homens que somos ou fomos.
A Maria Barroso agigantava-se, quando, inflamada de razão e de sonho, declamava:
"Vamos fazer a revolução/ Só nós, homens e Terra!"
Ficaram-me para sempre estes dois versos de um poema, cujo fim ignoro, e cujo autor desconheço. Fui levado ao Teatro da Rua da Fé já não sei por quem. Certamente por algum condiscípulo mais velho, acaso pelo Carlos Porto, não o grande crítico de teatro, recentemente desaparecido, mas por um outro, que nos emprestava livros clandestinos, e que me ofereceu as "Noções Elementares de Filosofia", em francês, de George Politzer, que ainda possuo, de iniciação marxista, rudimentar mas eficaz. Politzer foi preso e fuzilado pelos nazis, o que aumentava em nós o seu prestígio.
Depois, quando sabia que a Maria Barroso ia dizer poemas a esta ou àquela associação de bairro, lá estava eu. Posso dizer, com razão de causa, que a poesia e a Maria Barroso fizeram de mim o modesto soldado da liberdade que não quer ser outra coisa. Um dia, anos mais tarde, durante o famoso julgamento, no tristemente célebre Tribunal Plenário, onde a justiça se perdeu na cobardia dos juízes e na indecência do fascismo, ela apareceu, na tertúlia do Café Chiado. Todos os cafés e pastelarias do Chiado estavam repletos de gente, ansiosa pelo desfecho do julgamento, no qual Álvaro Cunhal produziu um discurso impressionante, publicado, a seguir ao 25 de Abril. Maria Barroso lá estava, no Café Chiado, formidável de grandeza e de ousadia.
Cruzámo-nos em muitas ocasiões, e cheguei a proferir, na Estufa Fria, uma oração empolgada contra o colonialismo, em representação da CEUD. Ela chegou, no final, estivera num comício em Santarém, e era a mesma mulher de sempre, empolgada e empolgante.
Foi-se agora embora e eu não estive presente porque as pernas não me permitem grandes caminhadas ou que permaneça muito tempo de pé. Mas ela está no meu coração sem rugas, como a amiga de sempre e a senhora modesta e aparentemente tímida que empolgava multidões:
"Vamos fazer a revolução/ Só nós, homens e Terra!"
Prémio Gazeta para um grande jornalista
Fernando Paulouro, grande jornalista, dos maiores de que a profissão ainda se pode e deve orgulhar, foi distinguido com o prémio Gazeta de Mérito, do Clube de Jornalistas. É a consagração dos seus pares a um profissional honrado e talentosíssimo, que continuou (até que maus fados e incompetências sórdidas se aliaram para o mandar embora) o trabalho de seu tio, António Paulouro. Ambos fizeram do Jornal do Fundão um título de nobreza da Imprensa portuguesa, e tanto um como outro transformaram o semanário das beiras numa grande referência moral e profissional. Fernando Paulouro reuniu, ainda não há muito, em dois volumes, sob o título o'neiliano "País Relativo", parte das crónicas admiráveis que publicou no seu jornal de sempre. O Clube de Jornalistas, uma vez mais, procedeu a uma homenagem justíssima, e os camaradas e amigos de Fernando Paulouro com isso se congratulam. Eu, em particular.
Numa noite de Verão, numa dessas noites únicas e mágicas de que Lisboa detém o condão e a chama, alguém me sussurrou, no pequeno teatro: "É a Maria Barroso!", com reverência, admiração e espanto.
A Maria Barroso agigantava-se, quando, inflamada de razão e de sonho, declamava:
"Vamos fazer a revolução/ Só nós, homens e Terra!"
Ficaram-me para sempre estes dois versos de um poema, cujo fim ignoro, e cujo autor desconheço. Fui levado ao Teatro da Rua da Fé já não sei por quem. Certamente por algum condiscípulo mais velho, acaso pelo Carlos Porto, não o grande crítico de teatro, recentemente desaparecido, mas por um outro, que nos emprestava livros clandestinos, e que me ofereceu as "Noções Elementares de Filosofia", em francês, de George Politzer, que ainda possuo, de iniciação marxista, rudimentar mas eficaz. Politzer foi preso e fuzilado pelos nazis, o que aumentava em nós o seu prestígio.
Depois, quando sabia que a Maria Barroso ia dizer poemas a esta ou àquela associação de bairro, lá estava eu. Posso dizer, com razão de causa, que a poesia e a Maria Barroso fizeram de mim o modesto soldado da liberdade que não quer ser outra coisa. Um dia, anos mais tarde, durante o famoso julgamento, no tristemente célebre Tribunal Plenário, onde a justiça se perdeu na cobardia dos juízes e na indecência do fascismo, ela apareceu, na tertúlia do Café Chiado. Todos os cafés e pastelarias do Chiado estavam repletos de gente, ansiosa pelo desfecho do julgamento, no qual Álvaro Cunhal produziu um discurso impressionante, publicado, a seguir ao 25 de Abril. Maria Barroso lá estava, no Café Chiado, formidável de grandeza e de ousadia.
Cruzámo-nos em muitas ocasiões, e cheguei a proferir, na Estufa Fria, uma oração empolgada contra o colonialismo, em representação da CEUD. Ela chegou, no final, estivera num comício em Santarém, e era a mesma mulher de sempre, empolgada e empolgante.
Foi-se agora embora e eu não estive presente porque as pernas não me permitem grandes caminhadas ou que permaneça muito tempo de pé. Mas ela está no meu coração sem rugas, como a amiga de sempre e a senhora modesta e aparentemente tímida que empolgava multidões:
"Vamos fazer a revolução/ Só nós, homens e Terra!"
Prémio Gazeta para um grande jornalista
Fernando Paulouro, grande jornalista, dos maiores de que a profissão ainda se pode e deve orgulhar, foi distinguido com o prémio Gazeta de Mérito, do Clube de Jornalistas. É a consagração dos seus pares a um profissional honrado e talentosíssimo, que continuou (até que maus fados e incompetências sórdidas se aliaram para o mandar embora) o trabalho de seu tio, António Paulouro. Ambos fizeram do Jornal do Fundão um título de nobreza da Imprensa portuguesa, e tanto um como outro transformaram o semanário das beiras numa grande referência moral e profissional. Fernando Paulouro reuniu, ainda não há muito, em dois volumes, sob o título o'neiliano "País Relativo", parte das crónicas admiráveis que publicou no seu jornal de sempre. O Clube de Jornalistas, uma vez mais, procedeu a uma homenagem justíssima, e os camaradas e amigos de Fernando Paulouro com isso se congratulam. Eu, em particular.
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