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Opinião
13 de Novembro de 2015 às 10:31

Isto vai, meu dilecto, isto vai!

Três séculos de Inquisição, de cantochão e de arrocho, de superstição e de fanatismo, com mais 50 anos de fascismo, fizeram dos portugueses um povo amedrontado e receoso do futuro.

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A direita está lentamente a recompor-se do abanão que levou nas suas certezas. O velho tema do medo voltou aos jornais, à rádio e às televisões. O medo é uma arma insidiosa e terrível, tanto mais que a direita, como dispõe do dinheiro e de inúmeros meios de comunicação, que foi adquirindo, ao longo dos anos, utiliza-os, através de estipendiados, para manter o poder. Nesse extraordinário "O poema pouco original do medo", Alexandre O'Neill recita que "o medo vai ter tudo" e faz a enumeração desse "tudo" com a vertiginosa criatividade que faz dele o grande e imparável poeta.

Nas notícias mais breves, nos comentários mais amenos, lá vem o medo. Se atentarmos nos programas de economia, logo o medo é imposto, através de insinuações acerca dos "mercados" e do seu "comportamento" com o novo quadro político. O pobre Paulo Portas, apoplético e raivoso, fala da união de esquerda como se do apocalipse se tratasse. É uma criatura desprovida do mais módico resquício de respeitabilidade e o seu passado, neste aspecto, é de fazer corar o mais insensível. A verdade é que o acontecido é o que tinha de acontecer. E o Governo de Passos Coelho puxou a corda do enforcado até limites insuportáveis.

Durante quatro anos e meio, os portugueses mais débeis foram esmagados com uma ofensiva nunca vista em democracia. Esta ofensiva teve o respaldo de parte da imprensa e de uma televisão conformada com a vilania. Um milhão e meio de compatriotas nossos foram arredados, ostensivamente, dos mais simples actos de cidadania. O "arco do poder", constituído pelo PSD e pelo PS (o CDS só conta como sobressalente), dominou, como quis e entendeu, a desgraça portuguesa. E os anos da coligação acentuaram esse infortúnio. Assisti, confrangido por eles, à triste manifestação em São Bento, dos que eram contra a rejeição do programa do Governo. Como é possível, 40 anos depois de Abril, haver gente tão tacanha, tão atrozmente reaccionária como esta; como é possível? Trata-se, sobretudo, de uma questão de mentalidade, de arejamento das células cinzentas, que me parecem afastadas daquela melancólica turma. É o medo que também os inspira.

O medo é uma componente da sociedade portuguesa. Três séculos de Inquisição, de cantochão e de arrocho, de superstição e de fanatismo, com mais 50 anos de fascismo, fizeram dos portugueses um povo amedrontado e receoso do futuro, tido como maléfico pelas forças mais conservadoras. Quando Pedro Passos Coelho, num cabisbaixo discurso, no dia do adeus, diz que não abandona Portugal, a frase morre pelo ridículo e pelo descaramento. Foram ele e os seus que empobreceram o país, que enviaram um milhão de miúdos para a fome e para a penúria, que desprezaram os velhos, que tentaram liquidar a escola pública, o Sistema Nacional de Saúde, e a Segurança Social para os fojos, que tornaram a pátria num protectorado alemão - e têm agora, suprema injúria!, o descoco de usar as frases do cordeiro.

O que espera o Governo da união das esquerdas exige dos seus protagonistas uma tenacidade enorme. A direita está disposta a tudo, e até se apoia, desavergonhadamente, nas organizações políticas estrangeiras para procurar manter os seus privilégios e desmandos. A mentira, o embuste, a cilada e a calúnia fazem parte do arsenal habitualmente utilizado. Mas o que foi já está. Um círculo vicioso de poder foi interrompido e, oxalá!, desmantelado. Não digo que uma nova era vai surgir instantaneamente. Não digo. Mas que muitas coisas vão mudar e para sempre, lá isso vão! "Ça ira!"

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