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Criptomoedas – bolha especulativa ou intrépido novo mundo?

As criptomoedas, em contraste, devem ser encaradas como instrumentos altamente especulativos com correntes tendências para criar bolhas especulativas.

Os ganhos espetaculares de preço da Bitcoin, Ethereum e Co. têm aumentado significativamente o interesse dos investidores pelas criptomoedas. Em simultâneo, reguladores e bancos centrais têm alertado de forma crescente para os riscos apreciáveis deste tipo de investimento. Enquanto proponentes e oponentes parecem cada vez mais irreconciliáveis na esfera pública, diversos investidores e analistas continuam a ter dificuldades em compreender realisticamente as oportunidades e os riscos deste relativamente novo fenómeno no mercado financeiro.

 

Neste contexto, o ponto de partida assenta na questão: são ou não as criptomoedas efetivamente moedas ou, ao invés, uma inovadora mas muito especulativa nova classe de ativos? Para serem moeda no sentido efetivo, isto é, para serem classificadas como parte do sistema monetário publicamente estruturado, as criptomoedas teriam de cumprir diversos critérios: serem aptas enquanto medida de valor, meio de pagamento e reserva de valor e serem legítimas legalmente. Contra um histórico de extremas e continuadas flutuações no preço, uma falta de reconhecimento enquanto moeda corrente e o elevado número de – mais de 1.000 – criptomoedas existentes atualmente, estes requisitos não estão cumpridos. Porém, além destes preceitos técnicos e legais, a aceitação e o sucesso de uma moeda baseiam-se num único fator central: confiança. Não é por acaso que a criptomoeda líder, a Bitcoin, foi lançada no auge da crise financeira de 2008/09. A ideia básica de um substituto digital não-governamental de moeda, cuja oferta máxima se encontra limitada por um algoritmo estruturante e que não pode ser inflacionada pelas medidas de "quantitative easing" dos bancos centrais, foi saudada não menos que pelos críticos das políticas de intervenção pelas autoridades monetárias durante a crise.

 

Riscos regulatórios e concorrenciais em crescendo

 

Contudo, um dos maiores riscos das criptomoedas tem que ver com o grande alcance da tecnologia em rede ponto-a-ponto descentralizada subjacente, para contornar o enquadramento monetário e regulatório oficial. No caso de crescimento continuado de mercado e de correspondente aumento em importância enquanto fator de risco sistémico, legisladores e reguladores devem ser forçados a implementar medidas regulatórias mais profundas. Em última instância, estas poderiam resultar numa proibição das criptomoedas e na criação de moedas digitais pelos bancos centrais. Obviamente, um problema essencial prende-se aqui com o facto de as criptomoedas abrirem a porta ao financiamento de atividades ilegais, à lavagem de dinheiro e à supressão de controlo de capitais. Não é, por isso, inesperado que vários bancos centrais estejam já envolvidos na possível criação das suas próprias moedas virtuais. A criação de tal dinheiro eletrónico pelos bancos centrais seria, na sua perspetiva, acompanhada pela chegada de diversos concomitantes. Além de assegurar senhoriagem e fornecer meios digitais de pagamento mais eficientes e rentáveis, a margem de política monetária poderia ser alargada em tempos de crise. Num tal sistema monetário crescentemente sem numerário, os bancos centrais podiam, se necessário, empurrar a taxa de juro de referência para terreno negativo e comprometer o nível de juro efetivo que existe atualmente. Neste caso, investidores e aforradores estariam ainda mais expostos a uma repressão financeira de maior alcance face ao ambiente atual!

 

Por essa razão, as criptomoedas privadas têm pouco em comum com as moedas tradicionais em termos de desenho, aplicação e perfil de risco. A sua aceitação e sucesso enquanto meio de transação é não menos baseada numa fundamentalmente baixa volatilidade. As criptomoedas, em contraste, devem ser encaradas como instrumentos altamente especulativos com correntes tendências para criar bolhas especulativas. Sem dúvida, a inovação subjacente (cadeia de abastecimento, tecnologia distribuída de registo) tem o potencial para ser uma tecnologia-chave disruptiva com aplicações de grande alcance. Contudo, na perspetiva de um investidor, isto deveria ser analisado isoladamente – além de que não depende do desenho enquanto moeda ou ativo. Os investidores devem ter ainda em atenção que as criptomoedas não têm valor intrínseco. A recorrente comparação com o ouro, encarado globalmente como reserva de valor há milhares de anos, parece tão pouco convincente como a referência de que o volume máximo definido e a consequente oferta limitada criam valor em si mesmos. Os já existentes "hard forks" das criptomoedas (e.g. Bitcoin Cash), tal como o lançamento inflacionado de novas variantes, mostram que ainda não foi encontrada uma técnica uniforme normalizada e que não existe uma escassez de oferta de dinheiro digital não-Estado per se. Por isso – e paradoxalmente – a presente geração de criptomoedas pode vir a tornar-se vítima do seu próprio sucesso, dados a crescente fragmentação, o domínio continuado de participantes de mercado especulativos e a ameaça por parte dos reguladores e das moedas digitais emitidas oficialmente.

 

Senior Investment Strategist, Allianz Global Investors (AllianzGI)

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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