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Nuno Pena - Advogado CMS Rui Pena & Arnaut 10 de Dezembro de 2020 às 10:20

Agilizar a recuperação

Visto do Céu, o universo das empresas parece reger-se por um desígnio (não) inteligente que salva somente quem melhor se adapta à mudança, com isso perpetuando uma contínua regeneração do sistema.

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As insolvências são necessárias e até desejáveis, garantidas que sejam a livre concorrência e o respeito pelas pessoas. A eficiência do procedimento das insolvências – bem como a garantia de condições de contexto para o surgimento de novas empresas – é vital. Garanti-lo passa pela agilização da justiça e da administração. O PER (Processo Especial de Revitalização), tratando-se de um instituto dotado de agilidade e eficácia, tendo uma essência essencialmente negocial e extrajudicial, e regendo-se pelo primado da vontade dos credores, deixa ao tribunal um papel residual. Adequa-se, pois, bem ao nosso tempo em que eficiência é um valor em si.

Deixo a esse respeito algumas sugestões de simples implementação. Quanto ao início do procedimento, deve passar a permitir-se que a declaração conjunta entre devedor e credores possa ser assinada por via eletrónica. Relativamente à legitimidade para aceder a este instituto, faz sentido que se admita a possibilidade de apresentação conjunta a PER por empresas que constituam um grupo de sociedades. Tratar cada empresa em separado dificulta, em muito, a negociação com os credores e a descoordenação redunda, muitas vezes, na ineficácia prática dos acordos conseguidos individualmente em cada uma das empresas.

Noutra linha, por forma a evitar a consulta de documentos junto da secretaria, o que a lei prevê que se faça presencialmente, sugere-se que o devedor que se apresente a PER possa incluir na comunicação aos credores, após a nomeação do Administrador Judicial Provisório (AJP), uma hiperligação contendo toda a documentação junta aos autos. A disponibilização da informação constante do processo seria supervisionada pelo AJP uma vez nomeado. Para o efeito, sugere-se a inclusão dos documentes num VDR (Virtual Data Room) controlado pelo AJP, o que asseguraria imparcialidade, fidedignidade, certeza, e acima de tudo, eficiência.

Parece um anacronismo que, neste final de 2020, venha sugerir substituir as comunicações via carta registada por correio eletrónico. Porém, não podia deixar de o fazer. Do mesmo modo, as negociações, reuniões com credores e votos escritos para aprovação do PER, poderiam passar a poder ser feitas por qualquer meio, incluindo o eletrónico, reforçando-se os deveres de supervisão do AJP. Os efeitos do PER deviam ainda aplicar-se a todos os créditos, direta ou indiretamente, relacionados com factos anteriores à nomeação do AJP, ainda que indemnizatórios ou litigiosos e apenas declarados após essa data. Igualmente útil, seria alargar o privilégio creditório mobiliário geral admitido, na prática, apenas para a banca. Não há razão para que apenas os créditos de bancos e entidades financeiras possam dele beneficiar. Basta pensar que nem só de liquidez vive a empresa, mas de todo o crédito que lhe é concedido. Pela banca ou por outros. Assim, qualquer crédito concedido tendo em vista a aplicação e o sucesso do PER, v.g. matéria-prima ou energia a pagar a prazo, devem igualmente ser privilegiados. De referir a este propósito que apesar de o recente PEVE (Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas), introduzido em novembro deste ano, ter alargado o dito privilégio a sócios, acionistas e pessoas relacionadas com a empresa e que a financiem durante o PER, o fez em moldes inexplicavelmente limitativos.

Igualmente importante seria introduzir como elemento de diferenciação específica entre credores o peso relativo dos mesmos na atividade e na recuperação futura da empresa. Apesar de a regra geral do princípio da igualdade do tratamento entre credores consagrar, atualmente, a possibilidade por razões objetivas, a verdade é que a jurisprudência tem sido restritiva neste domínio. Finalmente, não tendo tanto que ver com o PER, mas antes com a necessidade de acautelar situações que tenderão a surgir de reequilíbrio das prestações contratuais à luz da nova realidade económica, social e financeira, deve ser ponderada a criação de um mecanismo de arbitragem necessária para resolução dos conflitos, direta ou indiretamente, relacionados com a alteração dos termos contratuais com fundamento na pandemia atual. Os litígios tenderão a surgir. Basta atentar nos imensos escritos e publicações sobre “alteração de circunstâncias” e “força maior”. A ideia é assegurar um modo de resolução célere e imediato deste tipo de litígios e que permita salvaguardar a recuperação mais eficiente de credores e devedores. 

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