Opinião
A lição dos swaps
Recuperando uma frase iluminada do ex-ministro Miguel Cadilhe (com saudades) na AR: "O Estado é bronco a gerir". As empresas públicas, portanto, constituem, na terminologia da área, um "nicho de mercado" apetecível para descarregar derivados tóxicos e outras calamidades. Assim foi.
Não há notícia de os bancos internacionais que os impingiram abundantemente ao SEE e a outros entes públicos tenham tido o mesmo sucesso no sector privado.
Há uma lição, sem dúvida, a tirar do "caso" dos swaps tóxicos: os problemas aconteceram apenas com entidades públicas. Não há notícia de quer os bancos internacionais que os impingiram abundantemente ao SEE e a outros entes públicos tenham tido o mesmo sucesso no sector privado. Talvez nem tenham tentado. É que a gestão de dinheiros próprios – que muitas vezes custaram a ganhar – exige visão de longo prazo e rigor que a existência de controlos apertados não deixa afrouxar. E as aventuras são severamente sancionadas. É diferente de gerir dinheiro dos outros.
Os bancos, pela natureza do seu negócio, sabem disso muito bem. E sabem igualmente bem que empresas públicas – pode mesmo dizer-se "empresas sem dono" – são alvos fáceis, particularmente em situações de dificuldades financeiras. Não há ministro nem secretário de Estado que consiga acumular as suas funções políticas, o que quer que isso signifique, com as que corresponderiam às de "dono" das empresas sob sua tutela. Mesmo que tivesse experiência empresarial ou vocação, o que, aliás, seria uma raridade.
Recuperando uma frase iluminada do ex-ministro Miguel Cadilhe (com saudades) na AR: "O Estado é bronco a gerir". As empresas públicas, portanto, constituem, na terminologia da área, um "nicho de mercado" apetecível para descarregar derivados tóxicos e outras calamidades. Assim foi.
A ideia de centralizar a orientação de gestão financeira das empresas e outros entes públicos no secretário de Estado do Tesouro, concretizando a dupla tutela, implica dispor, para esse fim, de uma pessoa experiente no mercado financeiro. O City é uma boa escola. Passaram por lá, entre muitos outros, o António Horta Osório e o Nuno Amado.
Mas, os portugueses, que têm a fama de boa gente, por vezes exibem uma crueldade que toca as raias do crime. Conta o historiador António José Saraiva que, nos tempos da Inquisição, faziam da visita ao local das execuções e do sofrimento dos condenados um divertimento, chegando, por vezes, para aumentar o seu gozo, a tocar com um tição em brasa a face do supliciado.
Não conheço o Dr. Joaquim Pais Jorge, mas incomodou-me muito assistir à execução mediática a que foi sujeito com gáudio de todo o mundo. Evidenciou-se muita ignorância, até por parte de pessoas, consideradas em geral responsáveis e, por outras, menos responsáveis, repugnante má-fé. Culminando com a falsificação de um documento que "comprovaria tudo". O tal tição, se me é permitida a comparação. Que exauriu a paciência da vítima.
Escrevi "comprovaria tudo". Mas o que seria tudo? Se entendi bem, ida a reuniões no gabinete do PM (porquê o PM?) em que teriam sido apresentadas propostas de swaps "destinados a ocultar dívida pública". Diga-se de passagem que a apresentação de propostas desta natureza no gabinete do PM tinha decerto a ver com a prática e a reputação dele em matéria de desorçamentações. Nem sequer seria a primeira operação de desorçamentação feita pelo governo da República com ajudas do City. É evidente que a proposta foi elaborada pela área competente do City e quem quer que a fosse apresentar ao gabinete do PM teria como missão descrevê-la e reportar a quem o enviou as reacções do "cliente". Tivesse ido ou não ao gabinete do PM e fosse qual fosse a proposta não consigo aperceber-me de algo que ele não devesse ter feito.
Nas empresas, as pessoas, tenham cargos executivos ou não, cumprem obrigações correspondentes aos seus cargos. Se ao Dr. Joaquim Pais Jorge, que, parece, tinha a missão de contactar clientes, fosse cometida a obrigação de apresentar uma proposta a quem quer que seja, ele não tinha como não o fazer.
Sei que com os jornalistas não é assim. Ouvi há dias na SIC Notícias o presidente da ERC referir a maneira como os donos de empresas de comunicação social se devem relacionar com as suas empresas: é pagando e ficando à porta. De onde resulta uma liberdade total para os jornalistas que fazem só o que em sua consciência devem. Talvez, portanto, achem que um executivo bancário tem liberdade para só fazer coisas agradáveis que ele escolhe. Mas, em empresas privadas normais, o dono entra e cobra aquilo que paga. Ainda bem.
Foram de juristas – distintos comentadores – os piores ataques. Nas sociedades de advocacia, ninguém irá dizer a um advogado o que deverá propor a um cliente. Os juristas têm a mesma liberdade dos jornalistas.
Estes dois tipos de entidades em que cada um faz o que quer só tem na vida empresarial um paralelo. São as empresas públicas, como no "caso dos swaps" ficou claro. O despacho do ex-secretário de Estado do Tesouro, Dr. Costa Pina, que tem sido referido e não mereceu resposta das empresas a que se endereçava é disso mais um exemplo.
Economista