Opinião
A política vai reivindicar os seus direitos
A eleição de Donald Trump, além de surpreender, perturbar e escandalizar muitos, obriga-nos a todos a pensar – ou devia obrigar.
O Brexit e a vitória de Trump marcaram o fim do velho paradigma: os ingleses privilegiaram a identidade nacional e o governo nacional contra a diluição e a integração europeias, apesar dos custos económicos e dos sacrifícios no bem-estar. Trump apostou num programa em que o "salus populi" do povo americano passou a ser a lei imperativa da República, vencendo a candidata que encarnava a ideologia estabelecida – liberal na economia, libertária nos costumes, internacionalista nas relações externas.
Agora, na Ásia, enquanto Xi Jinping reforça o controlo da política e do partido sobre a economia e a sociedade, o Japão de Abe afirma o direito a ter Forças Armadas e a celebrar a História.
No Politburo do Mundo
A Nação e o Estado Nacional, cuja morte foi anunciada e festejada por luminárias mundiais e caseiras, parecem vivos e de boa saúde. O Reino Unido, os Estados Unidos, a Rússia e a China, quatro dos cinco Estados membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Politburo do mundo, seguem o novo caminho; e a França, o quinto Estado membro, terá, a partir de Maio, orientação semelhante – com François Fillon ou com Marine le Pen.
O novo centro
Os Estados nacionais voltam a ser o centro das lealdades e da política mundial no ano de 2017. Na Ásia e na Ásia-Pacífico as relações entre Estados lembram a Europa do século XIX depois da reunificação italiana e alemã. O Médio Oriente, pelo conflito Israel-Palestina e pela fragmentação resultante das guerras do Iraque e da Síria e da emergência do Daesh, é uma zona de divisão e alta fragmentação, de guerra de todos contra todos, que mostra bem os custos da destruição do Estado soberano e da sua substituição por lealdades religiosas e etnocêntricas. E a estatalidade deficiente de muitos Estados está também na raiz da crise africana.
O facto de os Estados Unidos seguirem uma política de "America First", de protecção das fronteiras e da economia nacional, não deixará de influenciar o resto do continente americano – do Brasil ao México –, confrontado com graves problemas de crime organizado e insegurança urbana.
E as nações europeias terão de rever o processo de integração política forçada e optar por uma qualquer forma de "Europa a la carte" que preserve os benefícios do mercado comum mas que afaste o devaneio federalista.
No ano que agora começa, a realidade e a consequente realpolitik vão impor as suas duras regras às utopias e retóricas optimistas e a política vai reivindicar os seus direitos e libertar-se da subordinação aos determinismos dos mercados e das correções ideológicas. O ano que aí vem, com os seus riscos e perigos, trará também alternativas que, como sempre, encontrarão legitimidade no bem comum e no interesse da comunidade e não nas várias retóricas político--culturais e económicas.