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Opinião
14 de Janeiro de 2018 às 20:00

A inevitável reforma impossível da UEM

Mário Centeno terá um papel relevante para a preparação do debate no Eurogrupo, mas o assunto estará sobretudo nas mãos dos chefes de governo.

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Antecipar uma possível reforma da União Económica e Monetária (UEM) em 2018 recorda-me a famosa máxima futebolística de que previsões só no fim... Com a crise financeira de 2008 as fragilidades da UEM foram expostas, quer quanto aos mecanismos adequados à prevenção de desequilíbrios macroeconómicos e consequentes crises financeiras e de solvabilidade dos Estados, quer quanto aos instrumentos adequados para agir no contexto dessas crises e limitar o impacto de choques assimétricos. Desde então a reforma da UEM está no topo das prioridades europeias.

Algo foi feito: criaram-se mecanismos de assistência financeira; reforçaram-se os mecanismos preventivos e corretivos dos desequilíbrios macroeconómicos nos Estados Membros; e a intervenção "agressiva" do BCE teve um impacto significativo no apoio à estabilização financeira e recuperação económica. Como é habitual na história da integração europeia, muitos dos passos dados foram-no, ao menos inicialmente, com carácter provisório e sobre pressão de um risco iminente ou já concretizado.

A crise demonstrou as consequências financeiras de uma UEM com divergência económica. Mas também tornou óbvia a ineficácia dos instrumentos destinados a promover a convergência e a garantir a disciplina orçamental dos Estados Membros. A resposta à crise ilustrou, por sua vez, a limitação dos instrumentos ao dispor da União. O resultado foi um impacto social assimétrico da crise entre Estados Membros e processos de ajustamento que privilegiam a consolidação orçamental face à amplitude das reformas estruturais necessárias. Estas exigem um misto de incentivos negativos e positivos que os programas de assistência económica e financeira - concentrados na rapidez da consolidação mais do que na natureza dessa consolidação - nem sempre permitem.

Se este diagnóstico é relativamente consensual, as soluções não o são. Para alguns, sobretudo no sul da Europa, a solução passa por uma maior mutualização do risco e por um reforço da capacidade orçamental da zona euro, susceptível de promover maior convergência económica. Para outros, sobretudo no norte da Europa, a mutualização do risco, sem garantias de convergência económica, conduzirá a transferências financeiras permanentes de uns Estados para outros. Quer a mutualização do risco quer o reforço da capacidade orçamental da União são vistas como agravando um risco moral: alguns Estados pagariam pelas decisões políticas erradas de outros sem terem voz nessas políticas.

Sem compreendermos os dois lados desta equação não conseguiremos encontrar um compromisso politicamente viável. Esse compromisso terá necessariamente de ligar e equilibrar a necessidade de disciplina orçamental e económica com o reforço de instrumentos de partilha de risco e de capacidade orçamental da UEM.

As recentes propostas da Comissão Europeia visam esse compromisso. Curiosamente, o roadmap da Comissão coincide, em vários aspectos, com as propostas avançadas por Portugal já em Maio de 2015 e que o atual governo parece continuar a apoiar: completar a união bancária (incluindo com um mecanismo de garantia comum); fundo monetário europeu; reforço da capacidade orçamental e de mecanismos de estabilização e apoio a reformas estruturais; e uma mais forte liderança da zona euro com um presidente permanente do Eurogrupo (passando, eventualmente, a ser um vice-presidente da Comissão).

A Comissão demonstra, no entanto, pouco detalhe e ambição no que diz respeito ao reforço da capacidade orçamental e aos instrumentos de estabilização financeira e social no contexto de uma crise ou de apoio a reformas nos Estados Membros. Fica também aquém da posição de Macron. Ao mesmo tempo, também não responde à preocupação alemã, e de outros Estados, com a necessidade de maior independência dos instrumentos de controle orçamental e financeiro do papel político da Comissão.

É nestes pontos que se vai decidir a possibilidade de um acordo. Mário Centeno terá um papel relevante na preparação do debate pelo Eurogrupo mas o assunto estará, sobretudo, nas mãos dos chefes de governo. Se tivesse de prever um possível compromisso diria que ele pode acrescentar duas variantes às propostas conhecidas: 1) o reforço dos instrumentos de estabilização e apoio a reformas estruturais nacionais vai ser feito introduzindo maior condicionalidade e, sobretudo, alavancando os fundos já existentes (através de instrumentos financeiros, como com o Plano Juncker); 2) A atribuição da presidência do Eurogrupo à Comissão deve ter, como contrapartida, a transferência de algumas das funções de supervisão orçamental dos Estados Membros para o futuro FME (de cariz tecnocrático e não político).

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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