Opinião
A estabilidade fiscal na expectativa do Orçamento
Num ambiente global marcado pela competitividade é comum afirmar-se que, para um investidor, tão importante como saber se os tributos são muitos e elevados é confiar que são e serão aqueles, com o peso e medida que à data da ponderação se apresentam.
A relevância da estabilidade do sistema fiscal vem, todavia, padecendo da relação tensa que mantém com o legislador, especialmente no encontro anual de início de Outubro aquando da apresentação do Orçamento do Estado (OE) que, mais do que um documento que elenca receitas e despesas, é sobretudo escrutinado e apresentado como um instrumento de política fiscal.
Se olharmos aos últimos cinco OE verificamos que em todos eles o ímpeto fiscal foi relevante. Em 2014, por exemplo, o OE (que já vinha acoplado à reforma do IRC) serviu para alterar o regime simplificado em IRS ou para eliminar o limite da base de incidência de contribuições dos membros de órgãos estatutários. Em 2015 (acoplado, por sua vez, à reforma do IRS), o OE alterou o regime de regularização de IVA de créditos incobráveis e de cobrança duvidosa e espoletou um aumento generalizado dos IEC. Em 2016, foi revogado o quociente familiar introduzido no ano anterior, alteraram-se os limites para a aplicação do regime da "participation exemption" em IRC e intensificou-se o aumento dos IEC. Em 2017, surge o adicional ao IMI e volta-se a apostar no aumento dos IEC. E em 2018 o sobressalto veio das novas regras do regime simplificado em IRS, do aumento da derrama estadual para as empresas com maiores lucros e do crónico aumento dos IEC.
Ao lado desta instabilidade fiscal vive uma outra - tão ou mais indesejável naquela lógica da atracção de investidores - que é a da nuvem de incerteza que antecede a apresentação do OE e que, depois, se perpetua no próprio OE sob a forma de autorizações legislativas. Se nas vésperas do OE se cogita sobre as alterações que este trará, na sua vigência vive-se na expectativa da utilização de uma eventual autorização legislativa. Esta nuvem não seria relevante se relevantes e recorrentes não fossem as ditas autorizações disseminadas anualmente pelo OE. Ora, se repetirmos o exercício de olhar aos últimos cinco OE, verificamos, por exemplo, que em 2014 se anunciava um novo regime fiscal dos organismos de investimento colectivo (que só surge em 2015). Que em 2015, por exemplo, a ameaça foi dirigida a uma nova contribuição sobre a indústria farmacêutica (que se confirmou) e a um regime para a criação e regulamentação das sociedades de investimento em património imobiliário (que não conheceu a luz do dia). Em 2016 - talvez o ano mais profícuo em autorizações -, a nuvem pairou sobre a isenção parcial dos rendimentos de patentes e outros direitos de propriedade industrial ou sobre as regras de cálculo dos PEC no RETGS (depois devidamente materializados ao longo do ano). Em 2017, o foco esteve no regime contributivo dos trabalhadores independentes (que só surge no ano seguinte) e em 2018 no alargamento das deduções à colecta relativas ao IVA suportado em serviços de mobilidade na modalidade de "sharing".
Neste Outubro de 2018, marcado que está o encontro predilecto do legislador fiscal com o sistema vigente, vale a pena recuperar a preocupação. Por vão que seja recordá-lo, os desejados investidores olham para nós. Evitemos o excesso de expectativa fiscal, não lancemos nuvens sobre o ano que virá e - apesar do panorama de tributos vários e elevados - cuidemos da estabilidade do sistema.
Advogado fiscalista