Opinião
2021 ou o Cabo das Tormentas?
2021 parece-nos a esta distância um ano inultrapassável, tal como o Cabo das Tormentas era. A banca precisará de uma solidez e resiliência a toda a prova para enfrentar este ano e, no final, se lhe pudermos mudar também o nome, desejo que seja o nosso Cabo da Boa Esperança.
O ano de 2020 pôs fim, de forma abrupta, a um dos períodos de expansão económica mais longos do último século. Era esperado um final de ciclo, mas não com a violência ocorrida. 2021 começou, assim, com a certeza de que há muitos desafios no horizonte de todos os setores. A curto prazo, a atividade económica continuará condicionada por novos surtos e medidas de distanciamento social. Depois de todas as dificuldades enfrentadas no ano passado, continuaremos a ser confrontados com provas difíceis que vão testar a nossa resiliência e capacidade de enfrentar contextos inéditos. O setor financeiro tem tido, nesta crise, um papel fundamental no caminho para a recuperação económica. Contudo, como todos os restantes setores, são vários os desafios que tem pela frente.
Sem dúvida de que o grande desafio para o setor bancário, tal como para a restante economia, só pode ter um nome: o controlo da pandemia. Sem esta premissa, as demais serão irrelevantes. Não obstante, os bancos centrais e os governos indubitavelmente coordenarão as suas ações e manterão o seu intervencionismo nos próximos anos. A rápida ação dos bancos centrais, em março, provou que estes aprenderam as lições de outras crises. Chamados a apoiar a recuperação da economia, os bancos têm tido o seu importante contributo e têm demonstrado o seu empenho no apoio à economia, como aconteceu no caso do regime das moratórias de crédito, que têm permitido apoiar famílias e empresas.
Este ano traz-nos, além de um contexto de taxas de juro negativas, um difícil arranque visível na deterioração dos níveis de atividade económica já neste mês de janeiro, fruto das medidas de restrição à mobilidade. As incertezas relativas a 2021 estão patentes nas dispersas previsões de crescimento económico para a economia portuguesa por parte de relevantes instituições oficiais, que vão desde os +6,5% do FMI aos +1,7% da OCDE, passando pelos 5,4% do Governo e Comissão Europeia, pelos +4,8% do Conselho de Finanças Públicas e pelos +3,9% do Banco de Portugal.
Importa sublinhar que o setor bancário em Portugal tem feito um esforço notável de controlo do peso do crédito malparado: os níveis de malparado caíram de 17,5%, em dezembro de 2015, para 5,5%, em junho de 2020, traduzindo uma maior resiliência e capacidade de aprovar em testes de stress cada vez mais exigentes.
Como principais riscos a monitorizar destaca-se a potencial incapacidade para acelerar consideravelmente o ritmo de vacinação, uma vez que idealmente seria necessário que, por cada administração de vacina dada hoje, na UE, fossem dadas mais 15. Daí a urgência de aumentar encomendas e procurar novos fornecedores, sob pena de assistirmos a mais travões à mobilidade, assim como a potenciais atrasos na implementação quer dos estímulos do Governo à economia, quer da implementação do Fundo de Recuperação da União Europeia e disponibilização dos fundos de recuperação europeus (15,3 mil milhões de euros de 2021 a 2023).
O nosso setor enfrenta vários desafios estruturais que se somam aos da pandemia. Em primeiro lugar, a mudança no modelo do negócio do setor, com a urgente necessidade de personalização ao extremo da oferta de produtos e de serviços. Devemos passar da noção de cliente à noção de fã e de procura de experiência, com as implicações que isso tem na relação e no posicionamento omnicanal, sem ser demasiado invasivo, mas aproveitando o conhecimento do cliente e ferramentas de big data e AI para ir ao encontro das necessidades e experiências, respeitando a privacidade e proteção de dados. Em segundo lugar, o desafio da sustentabilidade deve ser seguido por produtos e ações RSC, vinculando as instituições financeiras nas suas decisões de crédito, na sua gestão, nos produtos de aforro que distribuem e na sua influência no ambiente onde opera.
E, enquanto responde a todos os desafios, a banca continua a cumprir o seu papel no apoio à economia nesta fase difícil e demonstra que está mais sólida e mais resiliente depois dos esforços desenvolvidos ao longo dos últimos anos. Acredito que 2021 será, sem dúvida, um ano de dificuldades e a banca naturalmente sentirá o impacto que a pandemia terá ao longo dos próximos meses e até mesmo anos.
2021 parece-nos a esta distância um ano inultrapassável, tal como o Cabo das Tormentas era. A banca precisará de uma solidez e resiliência a toda a prova para enfrentar este ano e, no final, se lhe pudermos mudar também o nome, desejo que seja o nosso Cabo da Boa Esperança.