Opinião
O dia depois de amanhã
Confirmando a generalidade das expectativas, o nível de participação nas eleições europeias não foi elevado. A abstenção continua, ao que tudo indica, a ser a grande vencedora, com particular expressão em alguns Estados-Membros que apresentaram taxas de participação abaixo dos 25%.
É sabido que os diversos contextos nacionais não são alheios a estes resultados. É incontornável reconhecer que as eleições europeias são ainda profundamente nacionalizadas, dominadas pelos temas, as preocupações e as políticas nacionais. Se é certo que estes chamaram às urnas muitos descontentes, apelando ao voto de protesto, deixaram em casa tantos outros, para quem o peso do processo político dos últimos anos agravou o grau de alienação e de desinteresse eleitoral. A tendência não é, aliás, inédita no contexto das eleições europeias, muitas vezes aproveitadas como forma de manifestação do descontentamento popular e, como tal, menos propensas ao chamado voto útil.
Haverá certamente muitos balanços a fazer dos resultados eleitorais, que não poderão ignorar a ascendência dos partidos situados nos extremos do espectro político, nem o impacto das eleições no futuro dos diversos governos e no rumo das respectivas políticas nacionais. Estes temas, de cuja relevância não se duvida, dominarão certamente o debate político nos próximos dias.
Menos claro parece ser, por ora, o impacto dos resultados eleitorais na escolha do futuro Presidente da Comissão Europeia, e o tempo e o espaço que o tema ocupará no debate que se segue. Está, recorde-se, em causa, saber qual será o peso efectivo dos novos 751 deputados ao Parlamento Europeu na designação da futura Comissão Europeia.
Os sinais de fogo emitidos no período pré-eleitoral não são inteiramente tranquilizadores. Contrariando frontalmente a posição oficial do Parlamento Europeu, o Presidente do Conselho Europeu, i.e. o "Presidente dos Estados Europeus", afirmou que estes não se encontram vinculados aos candidatos pré-designados pelos grupos políticos europeus, sugerindo que a escolha pode, afinal, incidir sobre uma qualquer outra personalidade. E, reconheça-se, em abono da verdade, que alguns dos nomes "fora da lista", reuniriam porventura a aceitação dos Estados de uma forma mais evidente e consensual.
Certo que os Tratados, na sua versão de Lisboa, impõem que o Presidente da Comissão seja escolhido tendo em conta os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, fazendo eco do funcionamento dos sistemas de governo parlamentares, tão bem conhecidos entre os Estados-Membros. Certo também que o Presidente da Comissão tem de ser eleito pelo Parlamento, o que significa que tem reunir o apoio da maioria dos deputados eleitos. Isto dito, a designação de uma personalidade que permaneceu até agora nos bastidores, e não jogou o "jogo eleitoral", não só não é impossível, como não seria inaudita.
Mas que representaria isso para os europeus, para o Parlamento, e para as instituições democráticas na Europa? Tendo sido estas as primeiras eleições europeias realizadas ao abrigo das novas regras constitucionais, norteadas pela preocupação da mudança de um paradigma profundamente intergovernamental, para um outro de pendor mais democrático, que sinal estariam os Estados a enviar aos povos, ao comprometer a lógica eleitoral preestabelecida?
A legitimidade e credibilização das instituições são, aqui, como sempre, fundamentais. Mas, mais importante, pode ignorar-se a vontade daqueles que, resistindo às inércias, às preguiças, às distâncias, e aos cepticismos, foram às urnas, acreditando que o seu voto conta, e que para além de qualquer reacção às políticas nacionais, pode ter um impacto no futuro da Europa, e no dia depois de amanhã?