Opinião
A Europa, os europeus e os parlamentos
Já se volveram trinta e cinco anos desde as primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu, que se converteu, em 1979, na única instituição europeia directamente eleita pelos povos da Europa.
Europa germinou com um projecto de Estados. Foram os Estados que, nos velhinhos Tratados dos anos cinquenta do século passado, lançaram as sementes da integração europeia, e têm sido eles indiscutivelmente os protagonistas do processo desde então.
Mas, fizeram-no, como hoje se lê nos Tratados europeus, com o propósito de criar uma "união cada vez mais estreita entre os povos da Europa", "determinados a promover o progresso económico e social dos seus povos", e "desejando aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura e tradições".
A Europa fez-se (e faz-se), pois, para os povos, para as pessoas, para os Europeus.
Por isso, de forma coerente e não inusitada, os povos - as pessoas, os Europeus - foram sendo progressivamente associados ao projecto, reconhecendo-se-lhes o direito de participação em diversos fóruns europeus.
Nesse processo, dito de reforço democrático da União Europeia, a possibilidade de eleger directamente os deputados ao Parlamento Europeu foi certamente um dos sinais mais expressivos. E já se volveram trinta e cinco anos desde as primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu, que se converteu, em 1979, na única instituição europeia directamente eleita pelos povos da Europa, os Europeus, as pessoas. A novidade tornou-se com o tempo tanto mais significativa quanto esse Parlamento, que tinha inicialmente funções meramente consultivas, se foi tornando ao longo das sucessivas revisões dos Tratados num verdadeiro legislador europeu, em pé de igualdade com o Conselho (aí onde estão representados os Estados, os "donos dos Tratados"): povos e Estados, lado a lado, em quase todas as políticas europeias. E hoje, de forma porventura mais notável, o Parlamento Europeu será na próxima eleição competente para eleger o Presidente da Comissão Europeia - esta que é o titular da iniciativa legislativa na União.
Mas porque a democracia pareceu sempre ser de menos na Europa, o Tratado de Lisboa associou os Parlamentos nacionais - esses que as pessoas melhor conhecem, e para os quais (ainda) votam - ao desenvolvimento das políticas europeias. Estes Parlamentos têm hoje um direito à informação e consulta, podendo ter uma palavra importante no controlo da legislação europeia.
Todavia, paradoxalmente (ou não), esta crescente democratização do processo de integração europeia sabe a pouco. É uma democracia sobretudo (apenas?) no papel, resistente à vida das pessoas - dos povos, dos Europeus. As eleições europeias são das menos participadas na Europa, e os Parlamentos nacionais fizeram até agora um uso tímido e limitado dos poderes de participação que, entretanto, conquistaram.
Existirão, certamente, diversas justificações para este estado de coisas e tantas outras críticas (e louvores, porque não?) que se podem fazer aos Parlamentos, Europeu e nacionais. Mas fica sobretudo a percepção de que as ideias não bastam. Não basta criar instituições perfeitamente democráticas, representativas dos povos, das pessoas, dos Europeus. A democracia para existir precisa de ser vivida. Não basta pensá-la, é necessário senti-la. Não basta criá-la, é necessário exercê-la. Tem de ser querida, escolhida, praticada. É um privilégio, mas sobretudo uma opção. Por isso, só umas eleições europeias efectivamente participadas permitirão legitimar e credibilizar a actuação do Parlamento Europeu. Da mesma forma que só quando os Parlamentos nacionais levarem a sério o seu papel na Europa, poderão ser reconhecidos como garantes dos sistemas e das identidades nacionais.
É que Europa não se fez/faz apenas para os povos, as pessoas, os Europeus. Tem de se fazer também pelos povos, pelas pessoas, pelos Europeus. Porque o silêncio também fala, e a democracia europeia que hoje conhecemos não (se) basta.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa