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07 de Janeiro de 2013 às 23:30

O princípio da incerteza

Ultrapassado o momento de justificada satisfação pelo acordo político obtido para a instituição de um mecanismo único europeu de supervisão de instituições de crédito, mostra-se prioritário proceder a uma avaliação mais serena do mesmo.

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Importa, para já, distinguir as vantagens imediatas das vantagens mediatas desta decisão. O sistema centralizado de supervisão é uma condição prévia para a criação de uma União Bancária. No imediato, em relação aos bancos directamente visados, este mecanismo anula as diferenças na supervisão europeia e, por esse motivo, elimina a clivagem entre a supervisão do Estado de origem e do Estado de acolhimento na Zona Euro. Mas o mecanismo não pressupõe uma simplificação da estrutura institucional supervisora, antes pelo contrário, na medida em que - confiando embora a função centralizadora ao BCE - mantém em funcionamento a Autoridade Bancária Europeia e os supervisores nacionais. Constitui, nesse sentido, uma etapa e um investimento. Com efeito, a prazo, se os demais passos da União Bancária resultarem cumpridos - sistema europeu de garantia de depósitos e resolução europeia de bancos -, será acelerada a integração financeira na Europa, através da potencial eliminação na assimetria dos spreads em diferentes Estados-membros e da expectativa de anulação do contágio entre o risco de dívida privada e o risco soberano.

 

Interessa, a outro tempo, apontar os principais desafios de que depende o bom sucesso deste importante projecto.

 

O primeiro desafio relevante está ligado ao âmbito de aplicação deste mecanismo. O sistema envolve a atribuição de poderes directos de supervisão ao BCE sobre os bancos relevantes em termos sistémicos ou com intervenção estatal; haverá, além disso, supervisão indirecta a todas as restantes instituições de crédito da Zona Euro. Tal pode traduzir-se numa intervenção directa sobre instituições mais pequenas sempre que o BCE o entender necessário. Cabe, pois, saber que utilização fará o supervisor único deste relevante poder de estender a sua esfera de competência aos 6.000 bancos europeus.

 

Desafio adicional é o de apurar como irá funcionar na prática a articulação entre BCE, supervisores nacionais e a Autoridade Bancária Europeia, que preserva a seu cargo a regulação e a cooperação. As autoridades nacionais mantêm-se activas, mas com uma função complementar no contexto do sistema único. O âmbito de actuação do BCE, por seu turno, é limitado às instituições de crédito e não abrange gestores de activos, seguradoras, países terceiros, branqueamento de capitais, pagamentos e protecção do consumidor. Todavia, sobram muitas áreas nas franjas destas divisões temáticas (informação, governação), o que pode potenciar dificuldades práticas relevantes.

 

O terceiro desafio é o da conciliação entre um supervisor europeu e regras bancárias de origem nacional. A verdade é que as regras europeias bancárias são baseadas em Directivas europeias, cuja aplicação em cada Estado-membro depende da sua transposição, através de actos normativos domésticos. Neste ponto, a criação do mecanismo de supervisão centralizada não esperou por uma convergência legislativa -, mas irá certamente impulsionar a necessidade de maior aproximação nas legislações dos Estados-membros. É anunciada a futura criação de um livro de regras europeu, restando saber em que horizonte temporal tal virá a ser cumprido. 

O último desafio prende-se com o funcionamento do BCE. Além da dúvida sobre a adequação dos seus recursos humanos a esta ciclópica tarefa, é essencial perceber de que modo operará a sua estrutura bicéfala de governação. O poder decisório no BCE vai ser dividido entre o Conselho de supervisão e o Conselho de governadores. Apesar de a sua designação ser equívoca, o Conselho de supervisão (possivelmente a ser liderado por Constâncio) vai ter poderes decisórios marcantes, vigiados pelo Conselho de governadores. Importa saber como na prática este equilíbrio funcionará e, dada a partição de poderes subjacente, se funcionará.

 

Não custa entender que o potencial desta histórica etapa na evolução da integração europeia é imenso. Mas a importância dos desafios que se avizinham não pode ser subestimada. Figurando como condição prévia de um projecto mais amplo, do bom cumprimento destas metas depende largamente a conformação e a própria viabilidade da União Bancária Europeia.

 

 

Docente Universitário e Advogado, Sérvulo & Associados

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