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28 de Maio de 2021 às 09:20

Verde

O total de obrigações verdes emitidas por soberanos atinge €110 mil milhões (compara com a dívida pública portuguesa de €270 mil milhões), representando as emissões de Estados da área do euro 70% do total.

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Duas áreas dominam os acontecimentos recentes no mercado de capitais: moedas digitais e financiamento sustentável. Concentrando neste último: a tendência acelerou significativamente nos últimos anos, impelida pela crescente preocupação com alterações climáticas e seu combate. Reguladores e soberanos dedicam redobrada atenção a este mercado promovendo: o alinhamento do emitente com objetivos sustentáveis; o aumento da transparência das emissões (mais obrigações de reporte de informação sobre uso de fundos e resultados gerados); aprofundamento do mercado.

O financiamento sustentável é ainda dominado por supranacionais (agências e bancos de desenvolvimento) e empresas. Contudo, a importância de soberanos tem aumentado, oferecendo forte oportunidade de crescimento. A história começou em 2007 com o lançamento da primeira emissão verde pelo Banco Europeu de Investimento (BEI)(1), enquanto o capítulo mais recente contempla o surgimento de novos modelos de título (e.g. “sustainability-linked instrument”(2)) e a proliferação de emissões por soberanos europeus (designadamente no formato de título verde gémeo de uma obrigação convencional – emitidos no mesmo leilão e com os mesmos custos de transação (3)), Na ausência de um padrão consensualizado, o desenvolvimento do mercado é devedor da publicação dos “Green Bond Principals” pela ICMA(4) em 2014. O estabelecimento das primeiras regras comuns visou a clarificação da classificação de atividades verdes, as obrigações de reporte associadas à afetação dos fundos e a necessidade de publicação de informação sobre o impacto dos projetos. Foi igualmente estabelecida a necessidade de validação da classificação dos investimentos e recomendado o recurso a avaliação do impacto do investimento por uma entidade externa. Em 2015, sob a égide nas Nações Unidas foi assinado o Acordo de Paris, um acordo universal para combater as alterações climáticas. Em janeiro de 2017, o Estado francês, inspirado nos compromissos do Acordo, emitiu a primeira obrigação verde da área do euro, definindo um novo paradigma para as emissões verdes soberanas.

Esta classe de ativos regista rápido crescimento, impulsionado pela forte procura por parte de investidores institucionais motivados por exigências regulatórias (buscam instrumentos de gestão de riscos climáticos exigidos pelos supervisores) e pela maior procura dos clientes finais (maior preocupação com decisões sustentáveis). A despeito da sua expansão, é ainda um mercado de nicho. O total de obrigações verdes emitidas por soberanos atinge €110 mil milhões (compara com a dívida pública portuguesa de €270 mil milhões), representando as emissões de Estados da área do euro 70% do total. França, o maior emitente global de títulos verdes, observa um saldo vivo de €35 mil milhões (cerca de 1,5% da dívida pública francesa), seguido do BEI com cerca de €20 mil milhões. Apesar do entusiasmo dos participantes no mercado, existem vários obstáculos ao seu desenvolvimento, designadamente no que respeita à escassez de standardização, reforçando riscos de “greenwashing” (vender gato por lebre), gerador de algum ceticismo entre investidores. Não obstante estas dificuldades, aparentemente, a incapacidade de satisfação da procura pela oferta promove um desequilíbrio no mercado: preço ligeiramente superior para as obrigações verdes, constituindo uma oportunidade de poupança de custos.

Harmonização é uma peça fundamental para o desenvolvimento deste mercado e a Europa está na vanguarda. A Comissão Europeia (CE) tem assumido a liderança na definição de regras comuns no âmbito do financiamento sustentável. Em 2018, anunciou o Plano de Ação para o financiamento sustentável(5), atualizado em 2020, estabelecendo dez objetivos com vista à promoção deste mercado através da introdução de elementos de comparabilidade e minimização de fragmentação. A iniciativa europeia compreende: a definição da taxonomia europeia; o padrão europeu de obrigações verdes ou EU Green Bond Standard; fomento da transparência através de obrigação de divulgação de informação pelos investidores associada a investimentos verdes; criação de referenciais de mercado, designadamente relativos a emissões de carbono. Neste sentido, a 21 de abril, foi aprovada a versão final da Taxonomia Europeia, com entrada em vigor em janeiro de 2022, em que se clarificam as atividades consideradas verdes, as quais têm de contribuir substantivamente para, pelo menos, um dos seis objetivos definidos e não infligir significativo dano em qualquer um dos outros. Os objetivos são: mitigação das alterações climáticas; adaptação às mudanças climáticas; economia circular; prevenção e controlo da poluição; uso sustentável da água e recursos marinhos; ecossistemas saudáveis. No financiamento do instrumento Next Generation EU, a CE irá dar o seu contributo direto à promoção deste segmento, na medida em que cerca de 30% das emissões associadas serão obrigações verdes.

(1)Primeira emissão de empresa em 2013.

(2)Título com remuneração indexada ao cumprimento de metas climáticas definidas por KPI.

3 Este formato de obrigação verde foi inaugurado pela Agência Alemã de Dívida Pública (Finanzagentur) em setembro de 2020.

(4)ICMA – The International Capital Market Association.

(5)Em 2020, redenominado Plano de Ação para financiamento do crescimento sustentável.



 

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