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Carlos Almeida Andrade - Economista 07 de Maio de 2015 às 21:00

O risco grego

O arrastamento das negociações entre a Grécia e o Eurogrupo, sem resultados significativos à vista, representa um risco crescente para a estabilidade financeira e para as perspectivas económicas da Zona Euro.

 

Este risco encontra-se, neste momento, camuflado pelos sinais positivos na actividade económica da maioria dos países europeus, incluindo aqueles na periferia da Zona Euro, como Portugal. Bem como pela a política monetária fortemente expansionista do BCE, através da qual o banco central vai cumprindo a sua promessa de fazer tudo o que for necessário para proteger a Zona Euro. Neste contexto, tem-se instalado a ideia de que um resultado mais disruptivo na Grécia (no extremo, uma saída da Zona Euro) teria, nesta altura, impactos pouco relevantes.

 

O sector financeiro privado tem, actualmente, uma exposição reduzida à dívida grega (evitando-se, assim, efeitos tipo Lehman Brothers) e a Zona Euro dispõe agora de instrumentos de estabilização financeira que não existiam em 2010 ou 2011 (desde o Mecanismo de Estabilidade Europeu às "outright monetary transactions" do BCE, além do próprio "quantitative easing").  

 

Neste sentido, pode existir a tentação de se pensar que uma saída da Grécia até poderia fortalecer a Zona Euro, tornando-a mais coesa. Embora ninguém possa saber exactamente o que aconteceria num cenário desse tipo, suspeito que esta expectativa de efeitos benignos de uma saída da Grécia seja demasiado optimista. Mesmo assumindo que os impactos iniciais pudessem ser contidos, inevitavelmente a Zona Euro seria enfraquecida aos olhos dos investidores. Ela deixaria de ser vista como uma verdadeira união monetária, e passaria a ser vista como um regime de câmbios fixos, do qual se pode sair em caso de dificuldades. Eventualmente, um risco de redenominação seria incorporado pelos investidores, sobretudo na avaliação das economias mais frágeis, ou com maiores desequilíbrios macroeconómicos (por exemplo, economias como Portugal, Espanha ou Itália).

 

Esse aumento do prémio de risco tenderia a tornar-se visível perante futuros choques negativos sobre a actividade económica ou sobre a confiança (que poderão surgir de diversas frentes, como uma futura instabilidade política nestes países, uma futura subida do preço do petróleo, a atenuação ou retirada de estímulos monetários pelo BCE, uma crise nos mercados emergentes, etc.). Neste contexto, poderiam regressar os receios de exposição à dívida da economia A ou B e, no limite, o mercado poderia usar o exemplo da Grécia para especular sobre uma nova saída da Zona Euro, com todas as consequências associadas (dificuldades de financiamento, quebra da confiança e da actividade económica, etc.). Claro que os impactos mais negativos seriam sofridos pela própria Grécia, mas sobre isso parece haver algum consenso.

 

O raciocínio aqui apresentado deve ser entendido como a descrição de um risco, e não como uma previsão. É muito importante que o bom senso prevaleça e que um cenário extremo de saída da Grécia seja evitado. Não apenas pelas razões económicas atrás descritas mas, também, por razões políticas. Seria bizarro ter um projecto de construção e integração europeia sem a Grécia. Como seria bizarro ver a Grécia de costas voltadas para a Europa. Apesar de alguns rumores de "progressos" nas negociações, na verdade os últimos desenvolvimentos conhecidos não são encorajadores.

 

Acredito que uma saída da Grécia nunca aconteceria conscientemente e que ninguém empurrará o país para fora da Zona Euro. Mas esse resultado poderia tornar-se inevitável numa sequência involuntária de decisões erradas, começando pela aparente inflexibilidade do governo grego, agarrado a promessas eleitorais ilusórias. Para já, a probabilidade de um "default" (a credores oficiais, e ainda dentro da Zona Euro) vai aumentando. O resto, se verá. No que respeita a Portugal, e apesar da recuperação cíclica em curso no crescimento económico, estes riscos aconselham a que a disciplina na política económica se mantenha tanto quanto possível, e que não se instalem ilusões de que já resolvemos os problemas todos.

 

Economista Chefe - Novo Banco

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