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Carlos Almeida Andrade - Economista 03 de Julho de 2015 às 00:01

A Zona Euro é um "work in progress"

Com os receios crescentes de que a Grécia possa abandonar a moeda única, têm aumentado as críticas à Zona Euro, apresentada por alguns como um "projecto falhado".

A crise grega é referida como prova de que (i) o euro não foi capaz de promover o crescimento económico e o bem-estar (em particular nos Estados-membros da periferia); (ii) as suas instituições são disfuncionais e incapazes de lidar eficazmente com o tipo de crise vivida nos últimos anos; (iii) as divergências económicas e culturais internas são demasiado elevadas para acomodarem uma moeda única; e (iv) existe falta de solidariedade e de democracia nas opções de política económica assumidas pelas instituições europeias. Num artigo recente, o prémio Nobel Joseph Stiglitz defendia o "não" no referendo grego, com os argumentos de que "a política monetária (do BCE) se foca exclusivamente na inflação" e de que "o modelo económico da Zona Euro se baseia em relações de poder que prejudicam os trabalhadores".

 

Penso que a maioria das críticas é injusta. Dizer mal da Zona Euro é, hoje em dia, um desporto favorito de muitos. No entanto, em muitos casos, as críticas servem para esconder erros próprios. Mais do que qualquer opção conjuntural pela chamada "austeridade", os problemas recentes da Zona Euro são explicados por factores de natureza estrutural. A economia mundial tem vindo a alterar-se profundamente (por exemplo, nos fluxos de investimento e do comércio, na demografia, nos avanços tecnológicos, entre outros aspectos) e muitas economias da Zona Euro não se têm adaptado devidamente a essas alterações, sofrendo, com isso, uma queda no seu potencial de crescimento. Nesse sentido, políticas descuidadas seguidas nos anos anteriores à crise (baseando a actividade económica na acumulação de dívida e fugindo de reformas estruturais) terão muito maiores responsabilidades na quebra da actividade dos anos mais recentes.

 

É verdade que esta crise apanhou as instituições da Zona Euro impreparadas. As respostas foram lentas e, inicialmente, descoordenadas. Mas o projecto europeu avançou sempre em função de crises. Nos últimos anos, o enquadramento institucional da Zona Euro melhorou bastante, e tem hoje uma capacidade muito maior de fazer face a choques negativos. O ESM (mecanismo de estabilidade financeira) é um avanço importante no sentido da integração e solidariedade orçamentais. As OMT ("outright monetary transactions") e o QE ("quantitative easing") do BCE mostram a disponibilidade da autoridade monetária em "fazer tudo o que for necessário" para defender a estabilidade da Zona Euro (já agora, desde 2000, a inflação esteve acima da meta do BCE em 11 anos, o que parece desmentir, na prática, a ideia de um foco exclusivo do BCE no crescimento dos preços).

Há poucos anos, estes avanços eram impensáveis. O enquadramento institucional da Zona Euro está ainda longe de ser perfeito, mas deverá continuar a melhorar no futuro. A ideia de falta de solidariedade não é, também, sustentada pelos factos. Na actual crise, entre empréstimos bilaterais e o fundo de estabilização financeira, a Grécia recebeu mais de 190 mil milhões de euros em empréstimos dos seus parceiros, a uma taxa de juro próxima de zero, com maturidades até 30 anos e com períodos de carência alargados.

Adicionalmente, o BCE tomou mais de 27 mil milhões de euros da dívida grega e cedeu liquidez de emergência aos bancos gregos em perto de 90 mil milhões de euros. Sozinha, a Grécia teria colapsado. Quanto a outras críticas referidas atrás, penso ser óbvio que o modelo económico da Zona Euro defende muito mais os trabalhadores do que o fazem outras economias (como os EUA, por exemplo).

 

Em geral, apesar de todos os problemas, a Zona Euro continua a oferecer uma forma de vida que deve ser invejada pela esmagadora maioria dos países no mundo, marcada pelo primado do Estado de direito, por um bem-estar material e um esforço de protecção social acima da média, por um elevado espírito (e esforço) de cooperação entre nações, entre outros aspectos. É verdade que as desigualdades económicas e culturais dentro da Zona Euro são elevadas. Mas, por si só, isso não impede o funcionamento de uma união monetária. Essas desigualdades não são maiores do que as experimentadas (hoje e no passado) pelos EUA.

O que falta à Zona Euro é um enquadramento institucional que permita acomodar, de uma forma muito mais eficaz, choques económicos assimétricos (como os que ocorreram com a crise da dívida soberana). Estes incluem mecanismos de solidariedade e transferências orçamentais que, nos EUA, apareceram apenas nos anos 1930, quase 150 anos depois da independência. Penso que chegaremos lá, eventualmente (e mais depressa do que os EUA).

Esta maior integração e solidariedade orçamentais exigirão, também, provavelmente, um maior grau de integração política. E esse, sim, é o difícil desafio dos próximos anos. Como garantir que, com a evolução económica, financeira, orçamental e política que a Zona Euro necessita para sobreviver, se garante também que as opções de política exprimem a vontade democrática das populações. Uma atitude optimista é a que olha para as actuais dificuldades não como sinais do fim, mas antes como dores de crescimento de uma união que é um "work in progress".

 

Economista Chefe – Novo Banco

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