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Rio, o homem que quer pôr o jornalismo na ordem

Quando o debate chega à justiça, à corrupção e à qualidade da política, Rui Rio anima-se com a ideia de domar a “liberdade de expressão sem regras” e de disciplinar os jornalistas.

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"Para ‘vir no jornal’ é que os homens se arruínam, e as mulheres se desonram, e os políticos desmancham a boa ordem do Estado, e os artistas se lançam na extravagância estética, e os sábios alardeiam teorias mirabolantes, e de todos os cantos, em todos os géneros, surge a horda sôfrega dos charlatães", escreveu Eça de Queiroz em 1894, já vencido da vida. Anos antes, já Fialho de Almeida falara do ofício como o "ponto de passagem" do Barry Lindon "desabusado de todas as crenças, batido de todas as misérias e esfomeado de todos os prazeres".

 

As críticas ao jornalismo, ao que este era por oposição ao que deveria ser, são velhas e, não raramente, justas. As que cito são interessantes porque vêm de pessoas que durante toda a vida publicaram em jornais e que com estes mantinham uma relação de amor/ódio. Um equivalente hoje seria Pacheco Pereira, a pessoa que mais dinheiro ganha no país com a publicação de opinião, que obviamente devora a imprensa nativa, e que critica as suas falhas.

 

Infelizmente, nem todos os críticos estão nesta categoria ou na das pessoas que financiam o jornalismo e o criticam. Há o snob que diz só ler a imprensa estrangeira porque a sua inteligência não aguenta os pasquins nacionais nos quais gosta de aparecer. Há os que atacam os jornalistas quando o trabalho colide com a sua opinião. Há os "trolls". E há os políticos que elegem o jornalismo como alvo. Por cá, o principal é Rui Rio.

 

Rio gosta de dizer que não precisa dos jornais, tirada que eu apreciaria pelo contraste com os demais políticos. Só que não é assim. Rio preocupa-se, muito, com os jornalistas quando estes lhe desagradam. No Porto, usou o site do município para atacar jornalistas do JN. O jornal deixou de ser convidado para eventos da câmara e, quando tinha manchetes adversas para Rio, os jornalistas estranhavam a onda de multas que varria as imediações do jornal.

 

Rui Rio também fala. Não diz só que "há défice de qualidade e rigor", algo difícil de disputar. Põe o jornalismo, que goza de "liberdade de expressão sem regras", como grande responsável pela degradação dos partidos e do regime. Sem surpresa, a fúria é só sobre como o jornalismo trata a sua classe. "Tem de haver mecanismos de defesa das pessoas perante a difamação ou a insinuação que determinados órgãos de comunicação social fazem aos políticos", disse em 2007.

 

Esses mecanismos, tal como a lei que pune as violações do segredo de justiça, já existem. O que Rio quer, como mostrou esta semana no debate a seis na rádio, é o agravamento para os jornalistas. Rio vende a ideia com um "as pessoas lá em casa percebem o que eu quero dizer", discurso de agitação contra uma profissão já degradada pelas dificuldades financeiras - a profissão que, entre triunfos e erros, ainda é o que permite às pessoas perceberem o estado das instituições que as governam.

 

Quando o tema é a justiça e a corrupção, num país com casos recentes que ilustram a nossa fragilidade institucional, Rui Rio anima-se com a ideia de pôr os jornalistas na ordem. É uma demonstração do vazio da agenda do PSD para a justiça. É uma demonstração de ignorância sobre por que razão as violações do segredo de justiça são pouco punidas (o direito dos jornalistas a protegerem as fontes - Rio quer acabar com isso? - e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem). E é, sobretudo, uma demonstração do autoritarismo perigoso de um homem que quer ser poder. Não será com o meu voto. 

 

Parece uma borla ao Sul, mas é um sinal de doença

 

Portugal voltou esta semana a emitir dívida pública a taxa de juro negativa (-0,44%). As taxas têm rondado em 2019 estes valores historicamente baixos, impensáveis durante a crise e antes. A poupança para o Estado, e os contribuintes, é significativa: mais de dois mil milhões de euros desde 2014, só com a estratégia de refinanciamento da dívida ao FMI. A margem política para o Governo é também crucial para perceber como Costa e Centeno conseguiram segurar a esquerda e levar o défice a zero. Mas convém perceber que a política do BCE, responsável por estas taxas, só existe devido à fragilidade da economia do euro. Não é só uma borla ao Sul - é sobretudo um sinal de doença, que deve preocupar. 

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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