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Portugal não é uma "ilha de estabilidade"

O primeiro aniversário do Governo minoritário do PS mergulhou o país político e mediático num caldo morno de autocongratulação. Há uma razão para isso: a expectativa inicial era baixa.

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Nota: Este artigo está acessível, nas primeiras horas, apenas para assinantes do Negócios Primeiro.

 

O Governo de António Costa fez um ano e o país político mergulhou num caldo morno de auto-congratulação. O Presidente da República tapa os ombros do primeiro-ministro com o manto quente da sua popularidade, elogiando a estabilidade política alcançada. Nos media concluímos cientificamente que o Governo não só ainda existe como até funciona. E no PS, um dirigente e secretário de Estado anuncia que Portugal é uma "ilha de estabilidade" – uma ilha, presume-se, ao largo de um continente cada vez mais imprevisível.   

A necessidade de vincar a estabilidade ao fim de um quarto de legislatura – com mais outro quarto pré-garantido pela aprovação do Orçamento – tem a ver com legitimação. António Costa sabe que partiu com um problema de legitimidade política ao derrubar um Governo de partidos que tinham ganho as eleições para avançar com uma solução nunca testada e não anunciada. Com um ano de vida sem sobressaltos e uma extensão para pelo menos mais um ano no bolso, Costa conseguiu dobrar o primeiro e decisivo cabo Bojador. E precisa de dizê-lo.

Costa dobrou o seu Bojador com engenho político – mas não só. A geringonça é possível enquanto houver espaço para não reverter a "agenda de reposição de rendimentos". Esta é uma estabilidade política que depende, cada vez mais daqui para a frente, de uma economia a salvo de choques externos e de medidas duras. Por agora, isso é possível: o Governo anterior fez o caminho das pedras, o Banco Central Europeu garante financiamento barato, a crise do euro está numa pausa e a economia portuguesa vai saindo, muito lentamente, do buraco.

Mas esta conjuntura não é imutável – antes pelo contrário. Por isso, e mesmo descontando a necessidade que o PS tem de provar que o seu governo era minimamente estável, é estranho ouvir que Portugal é "uma ilha de estabilidade". Portugal é um país muito frágil do ponto de vista financeiro e que orientou os últimos 30 anos à volta de uma construção europeia que pouco influencia e em nada controla – uma construção que enfrenta riscos políticos significativos nos próximos anos, que se traduzirão em pressão financeira.

Ao contrário da primeira grande crise do euro, a próxima começará provavelmente na política de um dos grandes países: em França, na Itália, na Alemanha ou na Holanda. Não há ilhas na zona euro. Uma chanceler Merkel enfraquecida pelo AfD de Frauke Petry terá menos margem para a partilha de riscos europeus de que a união monetária e Portugal precisam. A ascensão de partidos populistas e a potencial paralisia da política ao centro no maior mercado de dívida do euro, a irresgatável Itália, é um enorme risco. França – nem é preciso dizer o que significaria para a Europa um governo da direita dura e nacionalista.

No imediato estes riscos podem resultar em pressão no mercado de dívida. Mas é a prazo que está o desafio mais profundo: o do futuro da nossa moeda. Portugal está hoje mal preparado para todos estes riscos. A economia é anémica e sobreendividada. E a política divide-se entre um Governo frágil que se vaporizará ao primeiro choque externo e uma oposição que precisa de se arrumar para ser uma alternativa. Salva-se o facto de António Costa ter provavelmente salvo o PS de uma cisão – e de manter o partido como uma alternativa forte ao centro-esquerda. Será preciso pelo menos um PS ou um PSD forte quando a tempestade chegar a esta suposta ilha de estabilidade.   

 

Jornalista da revista SÁBADO

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