Opinião
Portas giratórias no país da impunidade
Luís Costa Ferreira saiu da liderança do departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal em 2014. Durante os dois anos e nove meses anteriores tinha sido primeiro director-adjunto e, depois, director do departamento.
A supervisão prudencial é, em traços largos, responsável por avaliar a idoneidade dos gestores dos bancos e por supervisionar a solvabilidade desses mesmos bancos. Costa Ferreira saiu meses depois da resolução do BES, um dossiê muito complexo e que expôs as fragilidades evidentes da supervisão do Banco de Portugal - as garantias sobre a saúde do banco dadas pelo governador Carlos Costa a semanas da resolução são um dos sinais mais eloquentes dessas fragilidades.
Não é exagero dizer que o director da supervisão prudencial que presidiu ao desastre do BES saiu do regulador pela porta pequena. Mas Costa Ferreira - que levou consigo Pedro Machado, director-adjunto do mesmo departamento de supervisão do Banco de Portugal - entrou no início de 2015 numa das principais sociedades de auditoria, a PwC, pela porta grande: como "partner". A PwC tinha sido precisamente a sociedade escolhida pelo Banco de Portugal para fazer a auditoria inicial ao Novo Banco.
Para preencher o lugar vago, o Banco de Portugal foi buscar um director de um regulado, o BCP, chamado Carlos Albuquerque. O Banco de Portugal justificou assim a opção: "O Dr. Carlos Albuquerque tem uma longa e reconhecida carreira no sector financeiro, exercendo actualmente funções de director no BCP." Sim: ter carreira na banca faz um bom regulador da banca. (A mexida na supervisão ficou completa com a saída do administrador com esse pelouro, Pedro Duarte Neves - e com a subsequente entrada de António Varela, saído meses antes de um cargo de administrador não-executivo do Banif, banco onde era depositante e investidor.)
Carlos Albuquerque ficou dois anos no lugar até que comunicou há dias a sua saída do regulador para ir, de novo, para um regulado: desta vez a Caixa Geral de Depósitos. Vai ser administrador executivo na equipa de Paulo Macedo. O Banco de Portugal informou que, "em aplicação das normas de conduta e das correspondentes normas europeias", "impôs" a Carlos Albuquerque um período de transição, que elegantemente designa de "cooling off" - Albuquerque vai arrefecer a memória para um "projecto externo de solidariedade social".
Com o lugar de novo vago, o Banco de Portugal anuncia então a contratação de Luís Costa Ferreira - o mesmo que saíra para a PwC e que aí liderou as relações da auditora com várias instituições financeiras suas clientes. Será ele o director de supervisão prudencial do Banco de Portugal a partir do dia 15 deste mês. A notícia, diz-se nos bastidores da corte lisboeta, surpreendeu muitas pessoas na instituição.
Toda esta sucessão de acontecimentos na banca e respectiva supervisão mereceu, pelo menos até à data em que escrevo este texto (final do dia de sexta-feira), pouca indignação pública e política. Não sendo uma surpresa total, nem uma originalidade da banca, o episódio revela com exuberância as fragilidades estruturais conhecidas: a cultura enraizada de desresponsabilização e impunidade; o trânsito constante entre reguladores e regulados; a "elite" muito pequena e construída com base em relações de confiança. Combater cada um destes atavismos - com exposição pública, com responsabilização política e social, com melhor gestão - é uma verdadeira reforma estrutural.
Jornalista da revista SÁBADO