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Por que Sánchez não conseguiu montar uma geringonça

Costa teve melhor sorte do que Sánchez? Sim, mas não escapou ileso - a não ser que se pense que o arranjinho com o Bloco e o PCP é por amor.

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1. O ponto de partida é comum. Há um ano, António Costa tinha duas certezas: as legislativas estavam perdidas; o PS jamais viabilizaria um governo desta direita e deste tempo político, polarizada e conotada com a austeridade. Já Costa tinha conseguido montar a sua geringonça quando, em Dezembro, Pedro Sánchez se vê confrontado com as mesmas certezas. O PSOE perde para o PP da austeridade e dos escândalos de corrupção, mas mantém a promessa eleitoral de que não deixará Rajoy governar. Mas enquanto Costa prepara o segundo ano da legislatura, Sánchez já não é líder e o PSOE está sem espaço para cumprir a sua promessa. Porquê?

 

2. O PSOE teve pior resultado do que o PS. Costa teve um mau resultado eleitoral (32,3%), mas Sánchez sofreu uma derrota muito maior (22,6%). O colapso do bipartidarismo em Espanha pôs o PSOE num lugar incómodo: uma coligação só com o Podemos ou só com o Ciudadanos não chegaria; e uma coligação com estas duas forças não era possível por recusa clara e esperada do Ciudadanos, deixando os socialistas a precisar de outras forças, mais pequenas, e de cariz independentista. O resultado mexeu ainda no equilíbrio de forças à esquerda - se o PS em Portugal ainda se impõe de forma clara ao Bloco (10,2%) e ao PCP (8,3%), dois partidos de costas voltadas e que não quiseram entrar para o governo, o PSOE caiu para curta distância face ao Podemos (13,4%), que nunca prescindiu de ser poder. Este viria a revelar-se um ponto crucial.  

 

3. Espanha não é… Portugal. O mau resultado eleitoral cai em cima de uma diferença estrutural entre Espanha e Portugal: a descentralização do território. Costa queria governar um pequeno país com um território coeso. Sánchez tinha uma manta de regiões autónomas - algumas, como a Catalunha rica, com uma classe política com assumido desejo de soberania. Ao contrário do Podemos, o PSOE, partido tradicional de poder, é contra um referendo à independência da Catalunha ou qualquer outro passo que ameace a integralidade territorial de Espanha.

 

4. E Sánchez não manda como Costa. Os partidos reflectem a estrutura descentralizada do território - e, por isso, os líderes regionais têm peso. Houve dúvidas e receios no PS sobre a geringonça, mas Costa impôs-se facilmente ao partido. Sánchez não teve condições para ter a mesma sorte. A resistência interna a casamentos de alto risco foi sempre grande. Por um lado por causa da questão fracturante da Catalunha. Por outro, porque o PSOE (mesmo o PSOE anti-Sánchez) está dividido sobre como lidar com a ameaça do Podemos, com muitos a notarem a falta de hegemonia que os socialistas teriam num governo partilhado com Pablo Iglesias (preferindo a oposição). Sánchez tinha, então, obstáculos maiores do que Costa e um partido mais difícil de vergar. Deixou-se aprisionar dentro do seu "no" a Rajoy até ficar sem oxigénio.

 

5. E agora? Depois da queda de Sánchez, o PSOE em tumulto não tem margem para continuar a bloquear uma solução - até porque numas terceiras legislativas as sondagens fazem prever o pior. Não há hoje alternativa ao PP. O PSOE deverá ensaiar uma abstenção "violenta" em nome do país, fazer uma oposição radical à Passos Coelho - e aproveitar o tempo para tentar apanhar e colar os cacos. O sobrevivente Rajoy, de resto, dificilmente aguentará toda a legislatura. A história deste ano em Espanha é uma boa ilustração dos problemas que os partidos socialistas enfrentam no contexto europeu. Costa teve melhor sorte do que Sánchez? Sim, mas não escapou ileso - a não ser que se pense que o arranjinho com o Bloco e o PCP é por amor.

 

Jornalista da revista SÁBADO

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