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19 de Janeiro de 2020 às 18:28

Dignidade a 10 euros

Ninguém consegue mudar a vida dos mais pobres de um dia para o outro. Mas ninguém vai conseguir algum dia mudar a vida dos mais pobres se o método que está a ser seguido continuar a ser aplicado.

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Aumentar no máximo em 1,5% as pensões inferiores a 658 euros mensais é a moeda de troca de comunistas e eventualmente de outros partidos de esquerda, para garantir a aprovação do orçamento. Acrescentar 10 euros a rendimentos mensais muito baixos é, evidentemente, uma medida sempre simpática. Mas é bem demonstrativa da fragilidade e da pobreza do sistema.

 

De um lado temos forças políticas que se contentam com medidas avulsas como se de partidos de protesto se tratassem. Do outro lado temos um Governo sem margem para fazer melhor e um ministro das Finanças que atinge resultados apenas porque tem a chave do cofre estando-lhe vedada a possibilidade de fazer as reformas de que o país precisa. No meio temos pensionistas, trabalhadores públicos e privados, empresas, quase todos contribuintes de um Estado que tudo quer e muito pouco oferece.

 

Ninguém consegue mudar a vida dos mais pobres de um dia para o outro. Mas ninguém vai conseguir algum dia mudar a vida dos mais pobres se o método que está a ser seguido continuar a ser aplicado. Dignificar a vida de alguém não passa por inventar pontualmente aumentos extraordinários irrisórios e ficar convencido de que a situação melhorou substancialmente. Não é verdade. Dar a possibilidade a um pensionista de gastar mais 33 cêntimos por dia (sem que se saiba sequer a partir de quando) é uma bandeira pouco digna e própria de um país que não queremos.

 

Será porventura demagógico dizer que há dinheiro para tudo menos para o que é verdadeiramente necessário. Há dinheiro para recapitalizar bancos e para pagar rendas da energia a grandes empresas, mas não há para melhorar os serviços de saúde ou dar condições de trabalho às forças de segurança. Mas infelizmente é verdade. Apresentar um orçamento significa ter de fazer escolhas difíceis. Entre o possível e o desejável. Mas significa também explicar em que sociedade queremos viver. Se todos os anos vamos ser chamados a continuar a contribuir para que nada de importante mude ou se, pelo contrário, vamos ser desafiados a fazer escolhas coletivas em nome de um futuro diferente, melhor e mais livre.

 

É isto que se pede aos partidos políticos. Que nos proponham escolhas e que nos desafiem para percorrer caminhos de esperança. Num momento em que o centro e a direita discutem o seu futuro, seria normal que a discussão fosse em torno do país que queremos ter e não dos lugares que cada um dos intervenientes pretende ocupar. Já percebemos que a esquerda vê no contribuinte o promotor do crescimento do Estado e o garante da sua presença asfixiante em quase todos os setores da economia. Talvez a direita, e não tem de ser a liberal, nos conseguisse descobrir um caminho em que a criação de riqueza e a sua distribuição se fizesse em torno da iniciativa, do esforço e do mérito de quem trabalha e merece ser compensado por isso. É por aqui que um povo vai reforçando a sua dignidade e conquistando direitos que deverão ser coletivamente assegurados. Não é a 10 euros por mês que lá chegaremos. 

 

Jurista

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