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António Moita - Jurista 01 de Novembro de 2020 às 18:10

Ai se não tivéssemos câmaras municipais…

Seria bom que aproveitássemos para começar a tão propagandeada reforma do Estado conferindo às autarquias as atribuições e os meios financeiros hoje nas mãos de estruturas do poder central que pouco fazem e muito atrapalham.

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No país da maledicência onde todos os que fazem alguma coisa são criticados, importa salientar o relevante e insubstituível papel dos municípios portugueses em tempos de pandemia. Cometeram-se excessos. Certamente. Houve aproveitamento político. Em alguns casos talvez. Nem tudo correu como planeado. Obviamente. Mas se não fossem as câmaras municipais hoje estaríamos numa situação bem mais dramática. A proximidade faz acontecer rapidamente. E provavelmente a muito mais baixo custo. Essa é a enorme vantagem da existência das autarquias, sejam elas juntas de freguesia ou, principalmente, câmaras municipais. Estamos habituados a falar do lado pior destas entidades. Do lado da organização, ou da falta dela, falamos da burocracia, da insensibilidade de um ou outro funcionário, da má-disposição ou prepotência de um qualquer dirigente. Já do lado da atividade, ou da falta dela, referimos o buraco na estrada, a sujidade na rua, o caixote do lixo que continua a transbordar ou as obras, sejam as faraónicas sejam as que nunca mais acabam. Entre tantas outras, tudo são boas razões para atacar o poder local e os respetivos eleitos.

Na vertigem do dia a dia ou no desinteresse por aquilo que devia prender a atenção de todos, muitos são ainda aqueles que não percebem a verdadeira importância deste poder com rosto, que condiciona, para o bem e para o mal, as nossas vidas. Claro que há bons e maus autarcas, boas e más decisões, municípios mais dinâmicos e outros que observam a passagem inexorável do tempo e as oportunidades perdidas, estruturas e serviços mais ou menos flexíveis. Mas a verdade é que quando as coisas apertam é com eles que podemos contar. Pagamos os nossos impostos para que isso aconteça. Absolutamente. Mas a verdade é que ao nível local a retribuição das nossas contribuições é muito maior do que ao nível nacional. Muitos são os casos em que os municípios se substituem ao tão poderoso quanto ineficiente Estado central. Quantos são os centros de saúde, as escolas ou até as polícias, que funcionariam se não fosse o apoio permanente dos municípios sem que legalmente tenham competência para tal ou a isso estejam obrigados? E ao nível do apoio social de emergência ou de acompanhamento continuado das situações de maior carência. Quem melhor e mais rapidamente do que os municípios o conseguirá fazer? E na cultura, e na proteção civil, e no desporto, e no apoio à deficiência, e na defesa e recuperação do património, e em tantos outros setores.

Vamos entrar num ano especialmente difícil em que a pandemia continuará a fazer os seus efeitos na saúde de cada um de nós, mas também nas consequências sociais de uma crise económica inevitável. Muitos são os programas desenhados para responder a esta crise embora, como também já vem sendo hábito, sejam mais os que ficam de fora ou aqueles a quem a ajuda já não chegará a tempo. Em 2021 teremos eleições autárquicas, razão pela qual os autarcas se vão querer esmerar na ajuda às populações. Todos agitam a bandeira da transparência na aplicação dos fundos e na gestão dos recursos disponíveis. Muitos se insurgem contra a “facilitação” das regras de contratação pública alegando que isso poderá constituir um convite à corrupção. Convinha saberem do que falam antes de disparar contra a honorabilidade de muitos decisores locais. Um euro investido por uma autarquia tem um retorno potencial para o cidadão incomparavelmente maior do que se o mesmo investimento for feito por um instituto público ou por uma direção geral de um qualquer ministério. Além de que, sendo a exposição pública muito maior, torna a possibilidade de verificação da correta aplicação dos fundos muito mais fácil. Num tempo em que a proximidade e a capacidade rápida de intervenção valem ouro, seria bom que aproveitássemos para começar a tão propagandeada reforma do Estado conferindo às autarquias as atribuições e os meios financeiros hoje nas mãos de estruturas do poder central que pouco fazem e muito atrapalham. Reforçando as primeiras e extinguindo para sempre as segundas.

 

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