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Opinião
10 de Novembro de 2017 às 13:00

Folha de assentos

A poupança vai parca. Há muito não se poupava tão pouco. E não é apenas a chapa orçamental. É também a água. Falta água. Falta responsabilidade. O poder não gosta de vazio, mas é muitas vezes um lugar vazio, de trânsitos vários. Abunda uma sensação de desgoverno e impotência.

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chapa. Quando falamos de orçamento, falamos de dinheiro, de chapa. O Orçamento do Estado será o balanço entre a chapa que o País conta ganhar e a chapa que o País prevê gastar. O ditado popular retrata o gastador como "chapa ganha, chapa gasta". E a direita apressou-se a caracterizar o Orçamento aprovado na generalidade como de "chapa ganha, chapa gasta". O primeiro-ministro prefere chamar-lhe de "chapa ganha, chapa distribui e chapa poupa". Assim será. A repartição da chapa é uma questão de condicionamento e de escolha. Quando se têm muitas dívidas, há menos escolhas. Mas há sempre escolhas. Hoje, perante um Estado cada vez mais frágil, podemos interrogar-nos sobre as áreas onde queremos investir ou gastar a chapa que ganharmos. Investimos o que podemos em saúde? Em educação? E em funções de soberania? A pergunta continua a pairar, agora na especialidade orçamental. A chapa conta.

seca. Está mesmo uma seca, severa, extrema. Falta água. Até a nascente do rio Douro secou. Custa a acreditar: a nascente, nos Picos de Urbión, a 2500 metros de altitude, na província espanhola de Soria, não tem vestígios de água. Os Picos deviam estar cobertos de neve. Estão cobertos de sol há 45 dias consecutivos. O clima mudou. O que não mudou foi a nossa atitude perante a água. Habituámo-nos à abundância. Vai ser difícil habituarmo-nos à escassez. São precisas campanhas, alertas, gestos continuados de poupança. Veio tarde, mas é útil, a campanha "Vamos fechar a torneira à seca". A ideia base é simples: um minuto de desperdício de água é o suficiente para garantir as necessidades básicas diárias de um milhão de pessoas. As contas são simples. Um minuto de torneira aberta representa cerca de 12 litros de água. Se cada um de nós mantiver a torneira aberta desnecessariamente, durante um minuto, isto significa um desperdício de 120 milhões de litros de água. Este volume de água garante as necessidades básicas diárias de um milhão de pessoas. É preciso dar um nó nas torneiras.

samurai. António Horta-Osório é a imagem viva do êxito. É assim que a revista semanal de El País lhe traça o perfil em 12 páginas e capa. Título: "O samurai da City volta a reinar". Diz que a sua "voracidade de tubarão se transformou na sabedoria de guerreiro oriental". Refere-se ao duplo desafio - vencido - de salvar o Lloyds Bank e de devolver o dinheiro público investido. Desafio que teve um revés pessoal pelo meio, quando Horta-Osório quebrou, vítima de um grave episódio de "burnout", também ele ultrapassado. O retrato do jornal espanhol é o retrato de um herói. Um homem que se via, no passado, como um carvalho inquebrantável, mas que percebeu que os carvalhos também quebram. "Hoje tento parecer-me com uma palmeira que se dobra perante a tempestade e que volta a pôr-se firme quando regressa a calma", diz o CEO do Lloyds. Um banqueiro ciente das imprudências passadas e da necessidade de recuperar a confiança perdida.

poder. "Quem manda aqui?", perguntava esta semana Daniel Innerarity. O poder, onde está o poder? A resposta nunca terá sido tão difícil. Sabia-se que Napoleão ou Estaline mandavam. E muito. Hoje, o mundo foge mais ao controlo. Mandam representantes, representados, accionistas, CEO, mercados financeiros, movimentos sociais, hackers, participantes nas redes sociais, polícias, lobistas, mandam todos e não manda ninguém. Uns prestam contas, obedecem a algum controlo político, outros escapam a qualquer escrutínio. O poder descentrou-se, descentralizou-se, democratizou-se. Diz Innerarity que, para que o poder seja democrático "não pode ser monopolizado nem estabilizado para sempre, nem capturado por ninguém. O poder é um lugar de trânsito, instável: exerce-se, mas não se detém, e geralmente isso ocorre de modo acordado, limitado e partilhado". Há quem lhe chame um lugar vazio, só provisoriamente ocupado. Em qualquer caso, tornou-se difícil responsabilizar, identificar responsáveis. A cada passo, ficamos com uma sensação nítida de desgoverno e impotência.

trump. Passou apenas um ano da eleição de Donald Trump e os estragos da sua presidência vão demorar muitos anos a reparar. Estragos nas relações internacionais, transformadas num vazio diplomático e num perigo de novos conflitos: crises nucleares com a Coreia do Norte e o Irão, retrocesso na abertura de Cuba, guerra comercial com a China, ligações espúrias à Rússia, abandono do acordo de Paris sobre alterações climáticas, denúncia dos acordos do Pacífico, abandono dos acordos com o México e com o Canadá, abandono da UNESCO… Estragos nas políticas de imigração, estragos na idoneidade de vários titulares da administração, indícios fortes de nepotismo, escândalos vários, tuítes irresponsáveis e insultuosos, ataques ao jornalismo e aos jornalistas, desrespeito pela lei e pelas instituições, a lista de barbaridades é interminável e passou apenas um ano. Um Presidente indigno dos EUA e do mundo, o mais impopular de sempre. Ainda assim, Trump mantém um eleitorado fiel, uma minoria que odeia Washington e que se sente resgatada do abandono. Apesar de Trump, a economia americana cresce e o desemprego baixa aos 4,1%.

escravatura. O livro lê-se como um elucidário e serve para isso mesmo. Há muitas ideias feitas, simplificações e distorções. E por isso João Pedro Marques, um reputado especialista em história da escravatura e da sua abolição, responde com uma clareza maior a perguntas sobre a origem do tráfico (não foram os portugueses que o inventaram), sobre a introdução da escravatura em África (já havia formas de escravidão próprias quando os portugueses chegaram), sobre a venda de gente para o exterior, o calvário dos escravos, os principais fluxos… Há dados que mostram que o tráfico de escravos para o mundo islâmico foi muito maior do que o que se fez pelo Atlântico. A abolição da escravatura e o alegado papel pioneiro de Portugal é também desmistificado. Afinal, fomos o primeiro país europeu a ilegalizar o tráfico e a escravidão (dois alvarás do Marquês de Pombal de 1761 e de 1773), mas as medidas, além de se aplicarem apenas ao território metropolitano e não às colónias, não tiveram continuidade. Portugal foi sim uma das últimas potências coloniais europeias a decretar a abolição. Este e outros pormenores, que importa ler, num livro vermelho da Guerra & Paz.


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