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11 de Dezembro de 2017 às 21:06

A redefinição política imposta por Centeno (II)

A eleição de Centeno para a presidência do Eurogrupo é uma oportunidade para o PS partir à conquista do centro desconfiado das opções da aliança com a extrema-esquerda, que não é neutra politicamente.

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Na liderança de uma estrutura europeia "de facto", o PS quer a credibilidade que parte do centro ainda lhe não reconhece, procurando confundir a eleição com um aval de sensatez e ponderação à sua governação. Foi o que quis expor na semana passada.

 

Ora, esta circunstância constitui um desafio para os partidos à direita do PS, na medida em que estes contam com o centro no seu discurso e na sua prática. Sendo um desafio, não é intransponível nem obriga ao silenciamento. Pelo contrário, a eleição cola o Governo a Bruxelas, torna-o duplamente responsável e, só aí, oferece um campo de oposição a explorar, até porque foi o próprio primeiro-ministro a prometer grandes mudanças à conta desta eleição. O silenciamento ou a timidez nem se colocam, por isso, como os dois partidos já salientaram - e bem, até porque o futuro próximo mostrará os resultados de tanta insensatez que por aqui reina.

 

Mas este desafio oferece a oportunidade de afirmar a aspiração alternativa ao socialismo que nos governou em 14 dos últimos 20 anos. Que ideia de país é essa que pode resumir o programa alternativo que a oposição está a construir? Que propósito inspirador é esse que não sai prejudicado com esta eleição? O que é que marca a diferença face às esquerdas?

 

Onde a esquerda nos prepara para viver protegidos do mundo global e competitivo, nós ambicionamos vencer nesse mundo. Onde a esquerda receia a inovação e a mudança, nós aceitamo-las com abertura. Onde a esquerda desconfia da iniciativa, nós confiamos em quem quer subir na vida. Onde a esquerda limita a liberdade individual e empresarial, nós queremos alargar a liberdade de cada um escolher o seu projecto de vida. Onde a esquerda pede à Europa de Centeno que se resolva e que aprove mais regulação, nós exigimos à Europa que acabe com tanta regulação. Onde a esquerda olha para os serviços públicos como dogmas de funcionalismo público, nós queremos aperfeiçoá-los em benefício dos utentes. Onde a esquerda apregoa o igualitarismo e o facilitismo, nós pugnamos pela igualdade de oportunidades e pela exigência. Onde a esquerda descura a negociação de directivas, nós não queremos o Governo a importar mais burocracia. Onde a esquerda defende mais Estado, nós queremos um Estado mais justo.

 

O que nos diferencia das esquerdas é precisamente esta ideia de abertura à mudança, porque a grande questão do nosso tempo é precisamente esta: como reagimos à mudança? Com abertura ou com medo? A nossa aspiração deve ser a de um país aberto ao mundo, a de uma sociedade aberta ao novo, a de uma economia aberta à concorrência, na convicção de que só uma atitude de abertura nos permitirá vencer, crescer, num planeta mais competitivo e global. Não podemos ser espectadores receosos da mudança, temos de ser líderes nesse processo, processo que a Europa (de que Centeno será um rosto) tem vindo a perder para a América e a Ásia. 

 

Nada disto é abstracto, mexe com o dia-a-dia das pessoas: do sistema fiscal ao sistema de ensino, das prestações sociais à regulação da Uber, da legislação laboral à inteligência artificial.... Nada disto é acessório, tem impacto no progresso e crescimento, influencia o desempenho da nossa economia. Tudo isto é um todo coerente, constitui um programa declinável em todas os sectores da governação. Tudo isto é identitário, traçando pela positiva uma linha que nos separa do modelo socialista, que não afasta consensos nem impede a estabilidade do essencial do modelo dos nossos serviços públicos.

 

A eleição de Centeno constitui assim um momento de redefinição, mas não necessariamente, como pretende o PS, de consagração. Aguardemos.

 

Advogado

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