Ao conhecer-se o trabalho de Hugo Simão poder-se-ia escrever que teve o privilégio de andar muito perto do escritor Kazuo Ishiguro no tempo em que este levantou a sua última novela, "Klara e o Sol".
Ishiguro narra um mundo de fantasia especulativa, onde Klara, um "Artificial Friend" ("AF"), uma entidade de inteligência artificial colocada num corpo humanoide, é comprada para fazer companhia a uma adolescente com uma doença grave.
Klara tem capacidade computacional para ir progressivamente adquirindo o conhecimento gerado pelo ambiente onde foi colocada.
O conhecimento que Klara adquire é obtido principalmente junto da adolescente a quem serve de companhia, que lhe confessa os seus medos, os seus desejos e os seus sonhos.
A informação permite a Klara que não só se torne a melhor amiga da adolescente, mas também que seja decisiva à medida que esta última vai perdendo a vontade de lutar com a doença.
Simão anda também à procura de "AF", mas destinados a humanos, especialmente idosos e pacientes com Alzheimer ou outras doenças.
Os dois principais projetos em que está envolvido têm como objetivo de algum modo conseguir num futuro próximo transformar a utopia ficcional de Ishiguro em realidade.
O primeiro projeto é dedicado a Robôs Sociais, também o tema do doutoramento de Simão, o segundo a Agentes de Inteligência Artificial, sendo que ambos são totalmente académicos.
No primeiro projeto, Simão diz que está a "trabalhar para tentar propor um modelo de interação" entre humanos, robôs e entidades de IA "que integre valores humanos como base para a criação e uso de robôs, garantindo que as suas ações reflitam as intenções e princípios das pessoas que interagem com eles, especialmente as pessoas idosas".
O investigador pretende "perceber se permitir que as pessoas influenciem ou moldem o comportamento dos robôs e da IA faz sentido", já que o objetivo é o de alcançar "uma mudança para uma robótica com IA mais ética, onde o valor humano é central na definição do papel e função dos robôs na sociedade".
O projeto de doutoramento, financiado pela FCT e depois também pela Carnegie Mellon, é orientado por Tiago Guerreiro, da Faculdade de Ciências, Alexandre Bernardino, do Instituto Superior Técnico e Jodi Forlizzi, da Carnegie.
No projeto dos agentes de IA entra também, de modo fundamental, uma unidade da universidade norte-americana Carnegie Mellon, onde Hugo tem estado nos últimos meses integrado numa equipa de pesquisa.
Neste projeto, que tem o nome de AI Caring, o trabalho de Hugo Simão e colegas é o de encontrar o caminho para que a "máquina inteligente" seja uma companhia importante e útil do seu utilizador e da família deste, estando centrado em idosos, especialmente os que possuem demência ligeira.
Assim, Hugo Simão e os seus pares querem criar e desenvolver sistemas de agentes de IA capazes de "melhorar a qualidade de vida e a independência de pessoas idosas acima dos 65".
Segundo ele "a abordagem é sistémica, integrando e interagindo com as redes de apoio que incluem cuidadores informais, familiares e profissionais", e o trabalho de investigação envolve um agente de IA para averiguar "oportunidades, expectativas, tensões e fricções" como também o desenvolvimento do conhecimento do agente tecnológico, à medida que interage com humanos.
No projeto, Simão conta com a orientação de John Zimmermand, Jodi Forlizzi, Alicia Lee e Mai Lee Chang, todos da Carnegie Mellon.
O processo que os académicos usam para tentar atingir os seus objetivos, nos dois projetos, é extremamente fácil de explicar, mas de uma enorme complexidade de execução.
Num primeiro passo, Hugo Simão e os outros investigadores estabelecem parcerias com entidades públicas e privadas onde residem ou onde estão disponíveis pessoas com os perfis que procuram, que vão de lares a centros ocupação de idosos, passando por universidades de seniores e até mesmo a residências familiares.
Num segundo passo, entrevistam, usando várias técnicas, as pessoas com os perfis enunciados, procurando obter informação.
Os dados que procuram vão desde as funções que os potenciais utilizadores desejavam que os "Af" pudessem executar, até aos valores e interesses dos entrevistados.
Por exemplo, um dos dados que Simão e os seus colegas descobriram é que os potenciais utilizadores portugueses gostavam de ter uma companhia artificial com que pudessem dialogar nas longas horas que perdem em filas de trânsito.
Num terceiro passo, que será dado no futuro, esta informação será estudada, padronizada e moldada para definir a "personalidade" e as capacidades dos robôs sociais e dos agentes de IA, qualquer que seja a forma que venham a ter, de "robô humanoide" a "dispositivo".
O grande salto, reconhece Simão, seria o de criar entidades artificiais de tal modo sofisticadas que pudessem responder ao interesse de específico de cada potencial utilizador, ou seja, talhadas à medida dos seus desejos.
Mas, lúcido, Simão confessa que nos quatro anos de trabalho que ele e os seus colegas têm pela frente, que envolvem também a feitura da sua tese de doutoramento, estão apenas concentrados em "investigar para gerar conhecimento".
O ambiente de investigaçãodo estado da arte em que Hugo Simão está envolvido é fruto da sua experiência pessoal familiar, mas também do mundo académico contemporâneo.
Simão viveu a experiência direta de ter familiares com Alzheimer e isso marcou-o ao ponto de nunca ter abandonado a ideia de fazer alguma coisa para melhorar a vida das pessoas atingidas pela doença.
Assim, no fim do seu curso de Design Industrial, procurou conceber um dispositivo que se destinava ao fim referido.
Foi num momento dessa investigação que descobriu que no fundo estava a procurar criar um robô.
A partir daqui, fez a passagem para as equipas da Faculdade de Ciências e, mais tarde, em acumulado, do Instituto Superior Técnico com conhecimento e investigação do tema.
Por outras palavras, Hugo Simão beneficiou do princípio académico contemporâneo que a multidisciplinaridade e a mobilidade são fundamentais para a criação de conhecimento.
É um princípio ainda muito recente e de extensão muito limitada no meio académico português, mas abriu a Hugo Simão um trilho de trabalho fascinante.