A economista Mafalda Rebordão estava efetivamente no sítio certo no momento certo, mas foi a sua intuição e a sua capacidade de isolar o essencial do acessório a encaminhá-la para a inteligência artificial (IA).
Em 2019, com 22 anos, Mafalda era quadro superior da Google em Londres, com a função de gestão dos produtos da gigantesca tecnológica para a área geográfica EMEA (Europa, Médio Oriente e África).
Nesta altura, no meio do turbilhão de projetos e de criação e desenvolvimento de tecnologias e produtos que é o centro do trabalho diário dos profissionais da Google, Rebordão percebeu que a inteligência artificial, essa tecnologia que é tanta coisa ao mesmo tempo, desde a capacidade de computação para analisar de modo consequente volumes gigantescos de "big data" até à função de desenvolver inteligência própria para resolução de problemas a partir dos dados que processou, era realmente um território distinto.
A economista começou por trabalhar nos projetos de IA da Google, ganhando conhecimento sobre a tecnologia, as suas capacidades e os seus processos, e, já este ano, decidiu que o seu caminho profissional passava por outras paragens.
Saiu da gigantesca tecnológica, e decidiu encetar um percurso de trilho individual, para já centrado na passagem da mensagem ao público global do que a inteligência artificial pode fazer pelo mundo.
É atualmente oradora regular nas conferências da TEDx e autora do "Ponto Final", um dos podcast mais populares do Spotify.
Mas é como membro da direção do Center for Responsible AI, uma entidade portuguesa que agrupa empresas, universidades, centros de investigação científica e fundações, que Rebordão sente que mais pode lutar pelas suas ideias.
O centro promove investigação e reflexão destinada a "criar produtos de IA que sejam justos, simples e limpos", no sentido de estarem livres de preconceitos, e tem, de acordo com o seu manifesto, oito áreas de trabalho.
Talvez as mais importantes sejam a de "promover a equidade e a responsabilidade social nos sistemas de IA", desenvolvendo produtos de IA justos que detetem e reduzam o enviesamento e os impactos negativos para grupos protegidos, e que sejam utilizados de forma socialmente responsável, a de "melhorar a confiança com uma IA transparente e justa" através de "sistemas de IA explicáveis que expliquem as decisões às pessoas e aprendam interativamente com os seres humanos, de forma fiável, transparente e centrada no ser humano […]", e a que assenta na defesa da "utilização responsável da IA para a transformação digital e a privacidade dos dados", gerando "utilizações responsáveis da IA, tais como as que promovem a transformação digital inteligente, a democratização do acesso à informação e aos serviços, a salvaguarda da privacidade dos dados ou o cumprimento das melhores práticas", no domínio tecnológico.
À pertença a este grupo, a economista junta também o assento no Grupo de Reflexão sobre o Futuro de Portugal, coordenado pela Presidência da República, o que lhe poderá permitir a passagem de ideias para políticas efetivas na sociedade portuguesa.
A partir destas duas posições, Rebordão quer que em Portugal e no mundo se tire todo o rendimento do potencial da inteligência artificial, mas também que se eliminem todos os perigos gerados por uma utilização daquela para fins condenáveis.
A sua crença nuclear é que a IA é uma tremenda arma para mudar o mundo para melhor.
A economista usa mesmo uma expressão divertida, "IA é inteligência a esteroides", para mostrar que a tecnologia pode ter um impacto político, económico e social enorme, já que "resolve problemas de escala gigantesca de forma rápida e eficaz".
Ou seja, acrescenta, a dimensão de trabalho de qualquer profissional é agora radicalmente maior, se tiver o auxílio da IA e a souber utilizar, permitindo hipoteticamente que qualquer desafio, da área da saúde, da área da educação e de tantas outras, possa ser aceite e resolvido.
Rebordão não é de modo nenhum uma idealista fixada na IA como fonte salvadora instantânea do mundo.
Pelo contrário, conhece as limitações da tecnologia, sabe o nível de perícia e a quantidade de profissionais necessários para desenvolver sistemas de IA, tem noção exata dos valores de financiamento necessários, e não ignora que é fundamental unir empresas, centros de investigação e outras entidades.
Deste modo, defende que é preciso transformar projetos e sistemas de IA em produtos acessíveis a individuais e empresas.
Ao mesmo tempo, Rebordão acha que Portugal tem na IA uma oportunidade excelente para elevar o seu estatuto global e trazer valor para o país, já que "como neste campo se trabalha em interconexão contínua e total a origem geográfica é irrelevante".
Aliás, nesta dimensão, Mafalda Rebordão está prestes a dar o exemplo.
Nos últimos tempos dedicou-se a levantar um projeto, que está já na sua fase final de execução, e que irá trabalhar nas áreas e nos mercados globais que a economista considera vitais.
Em breve, assegura ela, conheceremos o que Mafalda Rebordão concebeu para ter um lugar no uso da IA.