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Medicamentos para todos é missão "abem" da saúde

Nascido em Maio do ano passado, o programa abem garante medicamentos gratuitos aos que não têm possibilidade de os pagar. Com presença em oito distritos, o projecto quer chegar a todo o país até ao final do ano e a 50 mil pessoas em 2019.

12 de Setembro de 2017 às 10:00
Sara Matos
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Até há bem pouco tempo, Mariana Alcaparra não conseguia comprar na farmácia todos os medicamentos que precisa. Com 66 anos e uma doença cardíaca, tem uma factura mensal de cerca de 40 euros, incomportável para a sua reforma que, de tão magra, mal chega para a renda da casa. Em Rio de Mouro, onde vive há mais de 40 anos, recebia ajuda por parte do centro comunitário para aviar as receitas dos médicos. Mas nem sempre chegava. "Cada vez que tinha uma receita adiava a compra para o último dia", conta. "E muitas vezes deixava de tomar a medicação porque não tinha".

Mas isso mudou. Mariana integra, há mais de um ano, a lista de 2.798 beneficiários do programa abem, da Associação Dignitude, que garante medicamentos gratuitos para os mais carenciados, através de um fundo solidário que cobre a parcela a cargo dos utentes nos medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde.

É que Mariana faz parte do lado negro das estatísticas. Dos números que mostram que um em cada cinco portugueses não tem acesso aos medicamentos que lhe são prescritos por razões económicas. Esta realidade foi precisamente o mote para a criação, em Maio de 2016, do abem que, até ao momento, já garantiu aos beneficiários do projecto 32.899 embalagens de medicamentos.

"Quando falamos de beneficiários falamos de pessoas que têm de decidir entre comer e tomar a medicação. De pessoas que, depois de pagarem a renda da casa, ficam com um rendimento negativo." maria joão toscano, Directora executiva da Associação Dignitude

O programa nasceu da parceria entre o sector social – Cáritas Portuguesa e Plataforma Saúde em Diálogo – e o sector da saúde – Associação Nacional das Farmácias e Apifarma – e tem como parceiros no terreno as entidades do sector social e as autarquias, responsáveis pela referenciação dos beneficiários, que têm de cumprir determinadas condições de recurso para ter acesso ao cartão abem. "O abem é um programa agregador", explica Maria João Toscano, directora executiva da Associação Dignitude. "O que fazemos é agregar à volta da mesma causa todas as instituições que já estão no terreno mas que não conseguem, de uma forma célere, fazer face a este problema".

O centro comunitário de Rio de Mouro é um desses parceiros. Ali, há 690 beneficiários do abem, uma parcela pequena – mas demasiado grande - da população da freguesia que ascende a 60 mil. O diácono Carlos Martins, responsável pela coordenação dos projectos sociais, conhece bem a realidade da região. Diz que a crise deixou em dificuldades "muitas pessoas que são novas para a reforma, mas velhas para o mercado de trabalho", numa zona onde já existiam, anteriormente, muitas famílias carenciadas. O abem foi, por isso, um verdadeiro balão de oxigénio. "Quando falamos com as pessoas é notória a felicidade com que dizem que isto mudou a sua vida. Hoje em dia vivem com a garantia de que vão poder tomar os seus medicamentos", conta.

Para isso, os beneficiários só precisam de apresentar nas farmácias parceiras o seu cartão abem. É o caso da Serra das Minas, em Rio de Mouro, que foi a primeira a aderir ao projecto no ano passado. "Assistimos à apresentação do programa na Associação Nacional das Farmácias e aderimos na hora", conta Joana Santos, directora técnica da farmácia, onde são aviadas, todos os meses, cerca de 100 receitas dos beneficiários do programa. O impacto é, por isso, "muito positivo". "Garantimos a adesão dos nossos utentes à terapêutica, e isso faz parte do nosso papel junto da sociedade", adianta a responsável.

No final de Agosto, o abem estava presente em oito distritos e 20 concelhos, e contava com 26 parcerias. Mas os objectivos de expansão são ambiciosos. "Até ao final do ano queremos ter 5 mil beneficiários e pelo menos uma parceria em cada um dos distritos", refere Maria João Toscano, acrescentando que as metas da associação passam por chegar a 25 mil pessoas no próximo ano e 50 mil em 2019. 


caso de inovação

Fundo solidário

O programa abem é suportado por um fundo solidário, que paga os medicamentos consumidos pelos beneficiários nas farmácias parceiras. O fundo é constituído por donativos de entidades públicas ou privadas, e todo o dinheiro é utilizado para pagar os fármacos. Os custos de estrutura e exploração são financiados pelas entidades promotoras do projecto. Maria João Toscano explica que garantir a sustentabilidade deste fundo é garantir o futuro do projecto. "Não é fácil angariar fundos, temos de ser criativos", refere. Além das doações periódicas de pessoas e empresas, e das prestações regulares dos parceiros e farmácias (com uma mensalidade mínima de 35 euros), o fundo conta com dinheiro arrecadado em campanhas e eventos. 

a figura

Maria João Toscano
Directora executiva da Dignitude

Maria João Toscano é directora executiva da Associação Dignitude desde a sua constituição, em Dezembro de 2015. Farmacêutica de formação, trabalhava na altura como directora da Escola de Pós-graduação em Saúde e Gestão da Associação Nacional das Farmácias. Mas decidiu aceitar o convite para liderar o projecto. "Tem muito a ver com a forma como vejo as coisas. Porque quando falamos de beneficiários falamos de pessoas que têm de decidir entre comer e tomar a medicação. Não consigo ficar indiferente", refere. O balanço do projecto até ao momento, diz, "é muito positivo". "Alcançámos os objectivos e tem sido um trabalho muito gratificante para mim", confessa. 

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