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Vítor Monteiro desce todos os dias à estufa para ocupar-se com a produção de hortícolas em hidroponia e "não pensar em coisas negativas". Aos 38 anos, depois de um episódio que culminou em anos de internamento numa unidade psiquiátrica e o deixou sem retaguarda ocupacional, para o utente da Casa de Santa Maria "isto é fazer terapia". "É para termos responsabilidade, cabeça e assim. A gente também estimula o cérebro e dá para conviver. Acho que aqui somos uma família. Não acho, tenho a certeza", corrige.
A horta surgiu para diversificar as actividades ocupacionais para algumas das mais de 50 pessoas com deficiência e incapacidade que residem ou passam os dias no Centro Social Paroquial de Ribeirão (CSPR), em Vila Nova de Famalicão. Sobretudo para os mais novos ou menos dependentes, para quem as ocupações tradicionais, como os bordados ou as artes manuais, não eram suficientes. Manuel Joaquim, o pároco da freguesia que há mais de três décadas fundou esta instituição, garante a satisfação também das famílias, pois "sabem que não estão apenas encerrados numa sala a fazer pinturinhas".
Alface, nabiça, espinafre, salsa e agrião. Estas são as folhosas mais cultivadas, num total de quatro mil quilos já produzidos desde o arranque do projecto, em Setembro de 2016. A maior parte acaba nos pratos do CSPR, que serve diariamente 500 almoços e 200 jantares. O restante é vendido a familiares dos outros utentes, que ascendem a quase meio milhar com as valências de creche, jardim-de-infância e ATL, centro de dia e lar residencial para a terceira idade, e de apoio domiciliário e cantina social.
O presidente da direcção, 68 anos, lembra que o terreno adquirido tem 5.190 m2 e apenas 300 estão ocupados. A ideia, adianta, é ampliar esta estrutura para mil m2 "para ocupar mais gente e também aumentar a rentabilidade". E usar a restante área para o cultivo ao ar livre, com preferência para a agricultura em modo de produção biológica e convencional.
Cecília Vieira, a directora técnica da Casa Santa Maria (lar residencial, centro de actividade ocupacionais, serviço de reabilitação com ginásio e piscina, e agora também a estufa) fala de "outro sonho". "Já percebemos que temos utentes, terreno e capacidades. Queremos ampliar para, quem sabe, no futuro sermos um nicho de emprego protegido para pessoas com deficiência e da saúde mental, que dificilmente na comunidade terão a possibilidade de ter um emprego a sério", sintetiza a assistente social de formação, 30 anos, que entrou na instituição em Junho de 2013.
Martírio e esperança
O que já mudou no espaço de um ano? José Carlos Oliveira comanda diariamente os grupos de trabalho na estufa e nota "uma transformação grande", sobretudo na maior autonomia que os utentes demonstram em várias tarefas. Enfrentando "limitações por falta de à vontade em certas situações", o engenheiro agrónomo da instituição ajuda-os a ganhar auto-estima, a "sentirem essa realização pessoal por verem o fruto do que estão a produzir" e incentiva à progressão - "errou hoje, mas amanhã se calhar já vai fazer melhor".
O padre Manuel Joaquim enquadra os benefícios transversais para a saúde. É que, ao mesmo tempo que consomem produtos de melhor qualidade, "não precisam de tomar tantos medicamentos, andam com menos stress e estão bem consigo mesmos".
"É mesmo uma terapia e há algo que todos aprendem, que são as rotinas. Terem a noção de que é para chegar, pousar as coisas, colocar o equipamento de protecção, verificar como está a produção, que pode ser preciso ficar mais um bocadinho depois da hora do intervalo. Isto dá-lhes 'importância'. Passou a ser efectivamente o trabalho deles", destaca Cecília Vieira.
Não menos relevante é que a comunidade valorize as capacidades destes indivíduos, desmistificando aspectos como a agressividade ou a intolerância. Depois de dez anos a trabalhar nesta área e quase quatro após abrir esta valência na localidade minhota, a directora técnica fala nas portas que já se abriram junto da restante população. Porém, não estão ainda escancaradas para terminar com o "medo" e com os "muito estereótipos que martirizam" as pessoas com deficiência e incapacidade.
Caso de inovação
Hidroponia
A produção em sistema de hidroponia faz-se todo o ano por ser um cultivo protegido e tem também como vantagens resultar num produto alimentar de maior qualidade, pois é cultivado em estufa protegida e limpa, e também de maior durabilidade. Acrescem os benefícios ambientais, como produzir a mesma quantidade com menos de 50% de área, usar apenas 10% da quantidade de água necessária na agricultura convencional ou a redução de 60% na utilização de fertilizantes. Esta técnica tem ainda vantagens em termos ergonómicos, pela disposição "suspensa" que as culturas conseguem ter. É que, não estando as plantas no solo, o trabalho não exige tanto esforço em termos musculares ou da própria postura.
A figura
José Oliveira
Engenheiro agrónomo
Há 14 anos, o nascimento de uma filha com Trissomia 21 deu "outra sensibilidade" a José Carlos Oliveira para a problemática da deficiência e abriu também "novos horizontes" para este engenheiro agrónomo, com mestrado em agricultura biológica, "tentar perceber as limitações que os deficientes têm e ver como é que podem progredir com as tarefas". Antes de ingressar na Casa Social Paroquial de Ribeirão, em Maio de 2016, este famalicense trabalhou uma dúzia de anos noutra instituição social em Penafiel, onde entrou como formador e começou depois a trabalhar com este tipo de população. Desde há um ano, é ele que está todos os dias na estufa e acompanha de perto a evolução dos utentes.
A horta surgiu para diversificar as actividades ocupacionais para algumas das mais de 50 pessoas com deficiência e incapacidade que residem ou passam os dias no Centro Social Paroquial de Ribeirão (CSPR), em Vila Nova de Famalicão. Sobretudo para os mais novos ou menos dependentes, para quem as ocupações tradicionais, como os bordados ou as artes manuais, não eram suficientes. Manuel Joaquim, o pároco da freguesia que há mais de três décadas fundou esta instituição, garante a satisfação também das famílias, pois "sabem que não estão apenas encerrados numa sala a fazer pinturinhas".
Alface, nabiça, espinafre, salsa e agrião. Estas são as folhosas mais cultivadas, num total de quatro mil quilos já produzidos desde o arranque do projecto, em Setembro de 2016. A maior parte acaba nos pratos do CSPR, que serve diariamente 500 almoços e 200 jantares. O restante é vendido a familiares dos outros utentes, que ascendem a quase meio milhar com as valências de creche, jardim-de-infância e ATL, centro de dia e lar residencial para a terceira idade, e de apoio domiciliário e cantina social.
O presidente da direcção, 68 anos, lembra que o terreno adquirido tem 5.190 m2 e apenas 300 estão ocupados. A ideia, adianta, é ampliar esta estrutura para mil m2 "para ocupar mais gente e também aumentar a rentabilidade". E usar a restante área para o cultivo ao ar livre, com preferência para a agricultura em modo de produção biológica e convencional.
4.000
Produção anual
Desde o arranque do projecto, em Setembro de 2016, a estufa já produziu quatro mil quilos de espinafres, alfaces ou nabiças.
Cecília Vieira, a directora técnica da Casa Santa Maria (lar residencial, centro de actividade ocupacionais, serviço de reabilitação com ginásio e piscina, e agora também a estufa) fala de "outro sonho". "Já percebemos que temos utentes, terreno e capacidades. Queremos ampliar para, quem sabe, no futuro sermos um nicho de emprego protegido para pessoas com deficiência e da saúde mental, que dificilmente na comunidade terão a possibilidade de ter um emprego a sério", sintetiza a assistente social de formação, 30 anos, que entrou na instituição em Junho de 2013.
Martírio e esperança
O que já mudou no espaço de um ano? José Carlos Oliveira comanda diariamente os grupos de trabalho na estufa e nota "uma transformação grande", sobretudo na maior autonomia que os utentes demonstram em várias tarefas. Enfrentando "limitações por falta de à vontade em certas situações", o engenheiro agrónomo da instituição ajuda-os a ganhar auto-estima, a "sentirem essa realização pessoal por verem o fruto do que estão a produzir" e incentiva à progressão - "errou hoje, mas amanhã se calhar já vai fazer melhor".
O padre Manuel Joaquim enquadra os benefícios transversais para a saúde. É que, ao mesmo tempo que consomem produtos de melhor qualidade, "não precisam de tomar tantos medicamentos, andam com menos stress e estão bem consigo mesmos".
"É mesmo uma terapia e há algo que todos aprendem, que são as rotinas. Terem a noção de que é para chegar, pousar as coisas, colocar o equipamento de protecção, verificar como está a produção, que pode ser preciso ficar mais um bocadinho depois da hora do intervalo. Isto dá-lhes 'importância'. Passou a ser efectivamente o trabalho deles", destaca Cecília Vieira.
Queremos ampliar a estufa para, quem sabe, no futuro sermos um nicho de emprego protegido para pessoas com deficiência e da saúde mental, que dificilmente na comunidade terão a possibilidade de ter um emprego a sério. Cecília Vieira
Directora técnica da Casa Santa Maria
Benefícios para a saúde? Os utentes consomem produtos de maior qualidade e mais vitaminas, não precisam de tomar tantos medicamentos, andam com menos stress e estão bem consigo mesmos. Padre Manuel Joaquim
Presidente do Centro Social e Paroquial de Ribeirão
Enquanto aqui estou, não penso em coisas negativas, só positivas. (…) É para termos mais responsabilidade, cabeça e assim. A gente também estimula o cérebro e dá para conviver. Acho que aqui somos como uma família. Não acho, tenho a certeza. Vítor Monteiro
Utente da Casa de Santa Maria
Directora técnica da Casa Santa Maria
Benefícios para a saúde? Os utentes consomem produtos de maior qualidade e mais vitaminas, não precisam de tomar tantos medicamentos, andam com menos stress e estão bem consigo mesmos. Padre Manuel Joaquim
Presidente do Centro Social e Paroquial de Ribeirão
Enquanto aqui estou, não penso em coisas negativas, só positivas. (…) É para termos mais responsabilidade, cabeça e assim. A gente também estimula o cérebro e dá para conviver. Acho que aqui somos como uma família. Não acho, tenho a certeza. Vítor Monteiro
Utente da Casa de Santa Maria
Não menos relevante é que a comunidade valorize as capacidades destes indivíduos, desmistificando aspectos como a agressividade ou a intolerância. Depois de dez anos a trabalhar nesta área e quase quatro após abrir esta valência na localidade minhota, a directora técnica fala nas portas que já se abriram junto da restante população. Porém, não estão ainda escancaradas para terminar com o "medo" e com os "muito estereótipos que martirizam" as pessoas com deficiência e incapacidade.
Caso de inovação
Hidroponia
A produção em sistema de hidroponia faz-se todo o ano por ser um cultivo protegido e tem também como vantagens resultar num produto alimentar de maior qualidade, pois é cultivado em estufa protegida e limpa, e também de maior durabilidade. Acrescem os benefícios ambientais, como produzir a mesma quantidade com menos de 50% de área, usar apenas 10% da quantidade de água necessária na agricultura convencional ou a redução de 60% na utilização de fertilizantes. Esta técnica tem ainda vantagens em termos ergonómicos, pela disposição "suspensa" que as culturas conseguem ter. É que, não estando as plantas no solo, o trabalho não exige tanto esforço em termos musculares ou da própria postura.
A figura
José Oliveira
Engenheiro agrónomo
Há 14 anos, o nascimento de uma filha com Trissomia 21 deu "outra sensibilidade" a José Carlos Oliveira para a problemática da deficiência e abriu também "novos horizontes" para este engenheiro agrónomo, com mestrado em agricultura biológica, "tentar perceber as limitações que os deficientes têm e ver como é que podem progredir com as tarefas". Antes de ingressar na Casa Social Paroquial de Ribeirão, em Maio de 2016, este famalicense trabalhou uma dúzia de anos noutra instituição social em Penafiel, onde entrou como formador e começou depois a trabalhar com este tipo de população. Desde há um ano, é ele que está todos os dias na estufa e acompanha de perto a evolução dos utentes.