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Fumadora durante 50 anos, Helena Veiga habituou-se a correr para o médico sempre que se prolongavam as tosses ou constipações e pioravam os ataques de bronquite no Inverno. Repetia os exames e a medicação que acalmava os sintomas até à consulta seguinte. Há quatro meses, tudo foi diferente: em vez de a mandarem a uma clínica privada, fez a espirometria na unidade de saúde familiar, o resultado foi lançado de imediato no processo e, chamada a nova consulta, pela primeira vez foi diagnosticada com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).
A professora aposentada de Barcelos, 65 anos, conversou com a médica e a enfermeira, que desenharam um mapa terapêutico e a motivaram para a consulta de cessação tabágica - a principal causa da doença. Usou o aconselhamento nutricional e o serviço de psicologia, teve sessões de cinesiterapia em casa para respirar melhor e começou a preencher o Plano Individual de Cuidados (PIC), um boletim que regista interacções, dúvidas e metas fixadas pela paciente.
"Nunca me senti julgada, o que é muito bonito. Não é aquela coisa do 'pois, é fumadora, do que estava à espera?". Não, os profissionais foram impecáveis. E o facto de dar um nome à minha doença também é bom porque obriga-me a lidar com o problema de outra forma. Antes dizia: 'pronto, isto é da bronquite, foi porque fumei de mais, o Inverno é frio'. Ia arranjando desculpas estúpidas. Agora sei que tenho um caminho a percorrer, sinto-me muito apoiada e sei que, havendo problemas, tenho logo resposta do centro de saúde e não tenho de andar em médicos do particular", descreve Helena Veiga.
É uma das beneficiárias do projecto dedicado à gestão do percurso do utente com DPOC, implementado no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Cávado III, que abrange 153 mil habitantes dos concelhos de Barcelos e Esposende. A doença atinge sobretudo pessoas com mais de 40 anos e é caracterizada por sintomas como tosse, expectoração e cansaço fácil, nem sempre valorizados até pelos profissionais de saúde. Responsável pela perda gradual de qualidade de vida - tende a ser assumida como normal e tolerável devido ao consumo de tabaco -, ao não ser diagnosticada, medicada e controlada, potencia agudizações que aumentam também os custos para o serviço de saúde, com mais idas às urgências e internamentos.
O subdiagnóstico detectado na ACES minhota (2% vs. 14,2% a nível nacional) resultava da fraca sensibilização para a doença e por não estar definido o circuito real e adequado para o utente. A directora executiva, Sofia Leal, detalha que "as intervenções dos profissionais eram feitas de forma fragmentada entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares, e mesmo dentro das equipas multiprofissionais", pelo que foram integrados os níveis de cuidados e definido o percurso na íntegra, desde o diagnóstico até à fase de reabilitação. Embora a mudança tenha sido organizacional, uma vez que estas respostas até já existiam, neste processo que envolveu toda a equipa foram também identificadas algumas insuficiências. Além do investimento na literacia dos utentes e dos profissionais, incluindo formações, o agrupamento assegurou financiamento para construir um gabinete de reabilitação respiratória. Apesar de ser apontada pela enfermeira Edite Brito como "a estratégia de maior sucesso no controlo da dispneia, da intolerância ao esforço e na sensação de cansaço", a reabilitação ainda é de acesso limitado, por ser apenas aplicada no domicílio pelas três equipas de cuidados continuados integrados que actuam na comunidade.
Na lista de resultados, numa comparação entre Abril de 2016 e Abril de 2018, o ACES Cávado III regista uma subida de 26% para 40% nos utentes com diagnóstico de DPOC confirmado com espirometria. No mesmo período de dois anos dobrou para 8% a proporção de utentes com registo do abuso de tabaco, reflectindo já a maior intervenção dos profissionais. "Reduz-se o desperdício e cria-se valor, através da comodidade e da proximidade para o utente. Porque não somos prestadores só pela questão do desempenho. É também importante sabermos que o utente está satisfeito e que nos procura", completa a enfermeira Adriana Taveira.
Plano individual
Utente fica com tudo registado
O Plano Individual de Cuidados (PIC) é entregue ao utente e regista tudo o que envolve o seu percurso dentro do ACES e no hospital. Inspirado no plano disponível no Portal do Cidadão, foi adaptado à doença com DPOC e impresso em papel para atender à população que está "offline". O boletim acompanha o doente em todas as consultas, serve de ligação entre os profissionais das várias especialidades (médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, enfermeiro de reabilitação ou pneumologista) e regista os objectivos traçados - por exemplo, conseguir transportar os sacos das compras -, devendo os profissionais trabalhar em conjunto para que sejam alcançados e para que o utente ganhe qualidade de vida.
A figura
Sofia Leal
Directora executiva do ACES
Este projecto começou a ser pensado há dois anos, depois de Sofia Leal trocar um cargo de gestão no Centro Hospitalar de São João (Porto) pela direcção do ACES Cávado III - Barcelos e Esposende. E resultou da análise que fez às potencialidades da organização naquele momento, da auscultação dos colaboradores relativamente às hipóteses de inovação e do impulso do programa de modernização "SNS + Proximidade", com dotação global de 35 milhões de euros. A liderança desta iniciativa, realizada em articulação com o Hospital de Santa Maria Maior, coube a esta lisboeta de 40 anos, licenciada em Enfermagem, com pós-graduação em Administração Hospitalar e mestrado em Gestão de Serviços de Saúde.
A professora aposentada de Barcelos, 65 anos, conversou com a médica e a enfermeira, que desenharam um mapa terapêutico e a motivaram para a consulta de cessação tabágica - a principal causa da doença. Usou o aconselhamento nutricional e o serviço de psicologia, teve sessões de cinesiterapia em casa para respirar melhor e começou a preencher o Plano Individual de Cuidados (PIC), um boletim que regista interacções, dúvidas e metas fixadas pela paciente.
"Nunca me senti julgada, o que é muito bonito. Não é aquela coisa do 'pois, é fumadora, do que estava à espera?". Não, os profissionais foram impecáveis. E o facto de dar um nome à minha doença também é bom porque obriga-me a lidar com o problema de outra forma. Antes dizia: 'pronto, isto é da bronquite, foi porque fumei de mais, o Inverno é frio'. Ia arranjando desculpas estúpidas. Agora sei que tenho um caminho a percorrer, sinto-me muito apoiada e sei que, havendo problemas, tenho logo resposta do centro de saúde e não tenho de andar em médicos do particular", descreve Helena Veiga.
1%
Reabilitação
Menos de 1% dos doentes têm acesso a serviços de reabilitação, segundo o Plano Nacional de Doenças Respiratórias.
É uma das beneficiárias do projecto dedicado à gestão do percurso do utente com DPOC, implementado no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Cávado III, que abrange 153 mil habitantes dos concelhos de Barcelos e Esposende. A doença atinge sobretudo pessoas com mais de 40 anos e é caracterizada por sintomas como tosse, expectoração e cansaço fácil, nem sempre valorizados até pelos profissionais de saúde. Responsável pela perda gradual de qualidade de vida - tende a ser assumida como normal e tolerável devido ao consumo de tabaco -, ao não ser diagnosticada, medicada e controlada, potencia agudizações que aumentam também os custos para o serviço de saúde, com mais idas às urgências e internamentos.
O subdiagnóstico detectado na ACES minhota (2% vs. 14,2% a nível nacional) resultava da fraca sensibilização para a doença e por não estar definido o circuito real e adequado para o utente. A directora executiva, Sofia Leal, detalha que "as intervenções dos profissionais eram feitas de forma fragmentada entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares, e mesmo dentro das equipas multiprofissionais", pelo que foram integrados os níveis de cuidados e definido o percurso na íntegra, desde o diagnóstico até à fase de reabilitação. Embora a mudança tenha sido organizacional, uma vez que estas respostas até já existiam, neste processo que envolveu toda a equipa foram também identificadas algumas insuficiências. Além do investimento na literacia dos utentes e dos profissionais, incluindo formações, o agrupamento assegurou financiamento para construir um gabinete de reabilitação respiratória. Apesar de ser apontada pela enfermeira Edite Brito como "a estratégia de maior sucesso no controlo da dispneia, da intolerância ao esforço e na sensação de cansaço", a reabilitação ainda é de acesso limitado, por ser apenas aplicada no domicílio pelas três equipas de cuidados continuados integrados que actuam na comunidade.
A reabilitação respiratória é a estratégia de maior sucesso no controlo da dispneia, da intolerância ao esforço e na sensação de cansaço. Edite Brito
Enfermeira do ACES Cávado III - Barcelos/Esposende
Enfermeira do ACES Cávado III - Barcelos/Esposende
As intervenções dos profissionais de saúde eram feitas de forma fragmentada entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares, e mesmo dentro das equipas multiprofissionais. Sofia Leal
Directora executiva do ACES Cávado III Barcelos/Esposende
Directora executiva do ACES Cávado III Barcelos/Esposende
Reduz-se o desperdício e cria-se valor, através da comodidade e proximidade para o utente. (...) É também importante sabermos que o utente está satisfeito e que nos procura. Adriana Taveira
Enfermeira do ACES Cávado III - Barcelos/Esposende
Enfermeira do ACES Cávado III - Barcelos/Esposende
Na lista de resultados, numa comparação entre Abril de 2016 e Abril de 2018, o ACES Cávado III regista uma subida de 26% para 40% nos utentes com diagnóstico de DPOC confirmado com espirometria. No mesmo período de dois anos dobrou para 8% a proporção de utentes com registo do abuso de tabaco, reflectindo já a maior intervenção dos profissionais. "Reduz-se o desperdício e cria-se valor, através da comodidade e da proximidade para o utente. Porque não somos prestadores só pela questão do desempenho. É também importante sabermos que o utente está satisfeito e que nos procura", completa a enfermeira Adriana Taveira.
Plano individual
Utente fica com tudo registado
O Plano Individual de Cuidados (PIC) é entregue ao utente e regista tudo o que envolve o seu percurso dentro do ACES e no hospital. Inspirado no plano disponível no Portal do Cidadão, foi adaptado à doença com DPOC e impresso em papel para atender à população que está "offline". O boletim acompanha o doente em todas as consultas, serve de ligação entre os profissionais das várias especialidades (médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, enfermeiro de reabilitação ou pneumologista) e regista os objectivos traçados - por exemplo, conseguir transportar os sacos das compras -, devendo os profissionais trabalhar em conjunto para que sejam alcançados e para que o utente ganhe qualidade de vida.
A figura
Sofia Leal
Directora executiva do ACES
Este projecto começou a ser pensado há dois anos, depois de Sofia Leal trocar um cargo de gestão no Centro Hospitalar de São João (Porto) pela direcção do ACES Cávado III - Barcelos e Esposende. E resultou da análise que fez às potencialidades da organização naquele momento, da auscultação dos colaboradores relativamente às hipóteses de inovação e do impulso do programa de modernização "SNS + Proximidade", com dotação global de 35 milhões de euros. A liderança desta iniciativa, realizada em articulação com o Hospital de Santa Maria Maior, coube a esta lisboeta de 40 anos, licenciada em Enfermagem, com pós-graduação em Administração Hospitalar e mestrado em Gestão de Serviços de Saúde.