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Cansado de ver uma média de quatro dezenas de grávidas portuguesas serem enviadas todos os anos para tratamentos no estrangeiro, sobretudo Espanha, França e Inglaterra, o médico Francisco Valente meteu na cabeça que iria "preencher a lacuna" que existia no Serviço Nacional de Saúde e criar em Vila Nova de Gaia o primeiro centro no país habilitado a fazer procedimentos cirúrgicos intra-uterinos minimamente invasivos de distúrbios ou malformações fetais.
Custos emocionais para os casais ao serem enviados para locais desconhecidos; despesas para o Estado por ter de pagar mais caro por esse serviço fora do país; e impactos até ao nível de "resultados menos bons", uma vez que a burocracia, a marcação das viagens ou a falta de disponibilidade momentânea dos centros estrangeiros acabava por "interferir algumas vezes no tratamento atempado da patologia, com riscos para os fetos". Face a estes constrangimentos, o coordenador do Centro de Diagnóstico Pré-Natal propôs à administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho este pioneiro projecto de cirurgia fetal.
O projecto foi aprovado em 2013 e os anos seguintes foram dedicados à compra dos equipamentos e à formação de uma equipa multidisciplinar, constituída por quatro cirurgiões (três obstetras e uma pediátrica), três anestesistas e três instrumentistas. Conceição Lopes é uma das enfermeiras que está na mesa de operações a providenciar os materiais delicados.
Com formação em Enfermagem e pós-graduação e décadas de experiência em cirurgia endoscópica, à gaiense de 59 anos é exigida também versatilidade e conhecimento das técnicas médicas para acompanhar alterações na cirurgia. E ainda capacidade de organização, pois cabe-lhe articular os recursos e mobilizar os meios humanos e materiais sempre que surge um caso novo. "Este projecto foi uma coisa inovadora, feita de raiz. E com a boa vontade das pessoas - isto é quase por carolice - temos feito algumas cirurgias", detalha.
Custos e proveitos
O investimento feito pelo Centro Hospitalar, que serve directamente 360 mil pessoas nos concelhos de Gaia e Espinho, rondou 28.400 euros, entre material de fetoscopia e 20% do preço do emissor laser. O restante (25.600 euros) acabou por ser suportado pela Fundação EDP, na sequência de uma candidatura apresentada junto da instituição. "O hospital teve esse mérito e a preocupação de investir na saúde materno-infantil do país. Foi sempre uma prioridade", elogia o médico, que desde 2001 lidera este centro que integra a obstetrícia e ginecologia da unidade nortenha.
Em Abril de 2018, ao final do primeiro ano, tinham sido feitas 11 cirurgias a grávidas de todo o país - de Braga a Portimão, passando por Vila Real, Coimbra ou Lisboa -, com grau de sucesso idêntico ao registado lá fora. Estimando a poupança directa acima de 4.000 euros por cada intervenção (diferença entre os 5.000 euros que custa no estrangeiro e os 900 euros em Gaia), Francisco Valente extrapola para uma década um corte de custos de cerca de dois milhões de euros na despesa do Estado.
Exercendo um papel importante no contacto pré-operatório com as pacientes e consciente de que a população obstétrica é, à partida, muito motivada - "são grávidas que sabem que têm uma gravidez de risco e querem fazer de tudo para salvar os dois seres" -, a jovem anestesista Ana Milheiro também esteve envolvida desde o início, tendo inclusive participado na criação de protocolos e fluxogramas de actuação que abrangem todas as possibilidades. "O arranque de um projecto tem sempre arestas a limar, mas o ideal é começar com alicerces bem fortes. Porque se isto cresce num terreno de areia, às vezes as coisas desmoronam-se", frisa a clínica.
Mais serviço, menos custos
Futuro? Alargar a outras patologias
Feitos há mais de dez anos em outros países da Europa e América, estes procedimentos só começaram a ser disponibilizados às grávidas portuguesas na Primavera de 2017, a partir do Hospital de Gaia, que foi pioneiro no país - entretanto, a lisboeta Maternidade Alfredo da Costa também começou a fazer cirurgia fetal. "Deixou de ser preciso ir lá fora. Essa foi a inovação: criar o centro e o local, treinar a equipa, adquirir o material. Ocupar essa posição que não existia e melhorar o serviço no SNS, com custos adequados", resumiu o responsável. Os centros estrangeiros ajudaram na formação inicial e continuam a prestar apoio científico. O futuro? Além de atrair mais grávidas, o centro gaiense ambiciona "alargar o projecto a outras patologias".
A figura
Francisco Valente
Coordenador do Centro
Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 1977, Francisco Valente foi o mentor do projecto para realizar cirurgias fetais no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Natural de Ovar, onde nasceu há 65 anos, o especialista em obstetrícia fez toda a carreira neste hospital. "Este projecto surgiu espontaneamente, foi muito pensado e não houve a pressão para abrir de um momento para o outro", frisa o médico, acarinhado e respeitado pela equipa. Sobre a reacção dos casais, responde que "têm mostrado muita gratidão e confiança, o que é muito compensador e motiva a continuar". "É o que vamos fazer nos próximos anos", prometeu.
54.000
Investimento
O Centro Hospitalar investiu 28.400 euros no emissor laser e no material de fetoscopia, com a Fundação EDP a suportar o restante.
Custos emocionais para os casais ao serem enviados para locais desconhecidos; despesas para o Estado por ter de pagar mais caro por esse serviço fora do país; e impactos até ao nível de "resultados menos bons", uma vez que a burocracia, a marcação das viagens ou a falta de disponibilidade momentânea dos centros estrangeiros acabava por "interferir algumas vezes no tratamento atempado da patologia, com riscos para os fetos". Face a estes constrangimentos, o coordenador do Centro de Diagnóstico Pré-Natal propôs à administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho este pioneiro projecto de cirurgia fetal.
O hospital teve esse mérito e a preocupação de investir na saúde materno-infantil do país. Foi sempre uma prioridade da administração. Francisco Valente
Coordenador do Centro de Diagnóstico Pré-Natal do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
Coordenador do Centro de Diagnóstico Pré-Natal do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
O projecto foi aprovado em 2013 e os anos seguintes foram dedicados à compra dos equipamentos e à formação de uma equipa multidisciplinar, constituída por quatro cirurgiões (três obstetras e uma pediátrica), três anestesistas e três instrumentistas. Conceição Lopes é uma das enfermeiras que está na mesa de operações a providenciar os materiais delicados.
O arranque de um projecto tem sempre arestas a limar, mas o ideal é começar com alicerces bem fortes. Porque se isto cresce num terreno de areia, às vezes as coisas desmoronam-se Ana Milheiro
Anestesiologista do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
Anestesiologista do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
Com formação em Enfermagem e pós-graduação e décadas de experiência em cirurgia endoscópica, à gaiense de 59 anos é exigida também versatilidade e conhecimento das técnicas médicas para acompanhar alterações na cirurgia. E ainda capacidade de organização, pois cabe-lhe articular os recursos e mobilizar os meios humanos e materiais sempre que surge um caso novo. "Este projecto foi uma coisa inovadora, feita de raiz. E com a boa vontade das pessoas - isto é quase por carolice - temos feito algumas cirurgias", detalha.
Custos e proveitos
O investimento feito pelo Centro Hospitalar, que serve directamente 360 mil pessoas nos concelhos de Gaia e Espinho, rondou 28.400 euros, entre material de fetoscopia e 20% do preço do emissor laser. O restante (25.600 euros) acabou por ser suportado pela Fundação EDP, na sequência de uma candidatura apresentada junto da instituição. "O hospital teve esse mérito e a preocupação de investir na saúde materno-infantil do país. Foi sempre uma prioridade", elogia o médico, que desde 2001 lidera este centro que integra a obstetrícia e ginecologia da unidade nortenha.
Este projecto foi uma coisa inovadora, feita de raiz. E com a boa vontade das pessoas - isto é quase por carolice - temos feito algumas cirurgias. Conceição Lopes
Enfermeira do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
Enfermeira do Centro Hospitalar Gaia/Espinho
Em Abril de 2018, ao final do primeiro ano, tinham sido feitas 11 cirurgias a grávidas de todo o país - de Braga a Portimão, passando por Vila Real, Coimbra ou Lisboa -, com grau de sucesso idêntico ao registado lá fora. Estimando a poupança directa acima de 4.000 euros por cada intervenção (diferença entre os 5.000 euros que custa no estrangeiro e os 900 euros em Gaia), Francisco Valente extrapola para uma década um corte de custos de cerca de dois milhões de euros na despesa do Estado.
Exercendo um papel importante no contacto pré-operatório com as pacientes e consciente de que a população obstétrica é, à partida, muito motivada - "são grávidas que sabem que têm uma gravidez de risco e querem fazer de tudo para salvar os dois seres" -, a jovem anestesista Ana Milheiro também esteve envolvida desde o início, tendo inclusive participado na criação de protocolos e fluxogramas de actuação que abrangem todas as possibilidades. "O arranque de um projecto tem sempre arestas a limar, mas o ideal é começar com alicerces bem fortes. Porque se isto cresce num terreno de areia, às vezes as coisas desmoronam-se", frisa a clínica.
Mais serviço, menos custos
Futuro? Alargar a outras patologias
Feitos há mais de dez anos em outros países da Europa e América, estes procedimentos só começaram a ser disponibilizados às grávidas portuguesas na Primavera de 2017, a partir do Hospital de Gaia, que foi pioneiro no país - entretanto, a lisboeta Maternidade Alfredo da Costa também começou a fazer cirurgia fetal. "Deixou de ser preciso ir lá fora. Essa foi a inovação: criar o centro e o local, treinar a equipa, adquirir o material. Ocupar essa posição que não existia e melhorar o serviço no SNS, com custos adequados", resumiu o responsável. Os centros estrangeiros ajudaram na formação inicial e continuam a prestar apoio científico. O futuro? Além de atrair mais grávidas, o centro gaiense ambiciona "alargar o projecto a outras patologias".
A figura
Francisco Valente
Coordenador do Centro
Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 1977, Francisco Valente foi o mentor do projecto para realizar cirurgias fetais no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Natural de Ovar, onde nasceu há 65 anos, o especialista em obstetrícia fez toda a carreira neste hospital. "Este projecto surgiu espontaneamente, foi muito pensado e não houve a pressão para abrir de um momento para o outro", frisa o médico, acarinhado e respeitado pela equipa. Sobre a reacção dos casais, responde que "têm mostrado muita gratidão e confiança, o que é muito compensador e motiva a continuar". "É o que vamos fazer nos próximos anos", prometeu.