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Serão as unidades locais de saúde a última oportunidade para se criar um sistema de saúde sustentável?

O cenário da saúde em Portugal tem enfrentado desafios complexos e multifacetados, mesmo diante do aumento significativo dos investimentos e das despesas no setor nos últimos anos.

Negócios 14 de Novembro de 2023 às 19:30
Ricardo Constantino, Partner - Head of Health and Public Sector Business Unit da NTT DATA Portugal Rodrigo Gatinho
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A análise dos dados revela um quadro contrastante: um aumento substancial na despesa total em saúde e do orçamento de estado para a saúde, juntamente com um sentimento de descontentamento, quer da população, quer dos profissionais de saúde. Enquanto Portugal se pode orgulhar de alguns indicadores positivos, como a esperança média de vida aos 65 anos, revela-se uma discrepância preocupante entre os anos vividos com saúde plena e o total de anos de vida.

Um dos principais desafios que o sistema de saúde português enfrenta é o crescente número de casos de doenças crónicas, que exerce um impacto significativo nos recursos disponíveis. A prevalência da diabetes é um exemplo alarmante, com uma estimativa de mais de um milhão e cem mil pessoas afetadas, incluindo 400 mil casos não diagnosticados. O seu custo em Portugal está estimado em 1,5 mil milhões de euros por ano, representando 0,8% do PIB e 6% da despesa total em saúde. Este exemplo realça a necessidade urgente de estratégias eficazes de prevenção e gestão de doenças crónicas.


A organização do sistema de saúde está a aumentar a capilaridade das redes e hospitais. Em simultâneo, os grupos privados de saúde alargam o número de hospitais, aumentando a sua presença no território. A somar a isso, o sistema público anunciou para muito breve uma transformação global, convertendo a maioria dos hospitais em unidades locais de saúde, criando entidades que integram os cuidados de saúde primários e hospitalares, refletindo a tentativa de priorizar a saúde dos cidadãos em detrimento da mera oferta e quantidade de serviços prestados.


No entanto, para garantir o sucesso dessa transição e tirar partido desta maior capilaridade, é essencial implementar uma abordagem holística na gestão dos dados de saúde, garantindo a partilha de informação entre os cuidados de saúde primários e hospitalares e entre as várias redes hospitalares públicas e privadas. É necessário criar as condições para que os hospitais tenham registos de saúde eletrónicos que agreguem todos os dados, permitindo, não só, a sua utilização na prestação de cuidados de saúde, como na investigação e inovação.


Com uma visão completa da informação é possível definir estratégias diferenciadas para diferentes segmentos de cidadãos. Teremos um segmento de cidadãos com múltiplas patologias e muito consumidor de serviços hospitalares, que representa menos de 10% da população e é responsável por mais de 50% dos custos da saúde, que deve ser seguido continuamente pelos profissionais de saúde, no sentido de minimizar as situações de agudização e a utilização dos serviços hospitalares.


Teremos um grupo de cidadãos com patologias crónicas controladas que, com base no seu menor risco, pode ser acompanhado através de soluções de terapêutica digital, conjugadas com o acompanhamento de profissionais de saúde. Por fim, teremos um grupo de cidadãos saudáveis que devem ser geridos numa lógica de promoção da saúde e estilos de vida saudável, combinando a utilização de recursos digitais com o acompanhamento direto dos profissionais de saúde fora das unidades hospitalares.


Nesse contexto de transformação do SNS, o modelo de financiamento por capitação associado às unidades locais de saúde pode ser a solução para garantir a sustentabilidade financeira. No entanto, o seu sucesso depende da capacidade de medir e avaliar os resultados em saúde de forma precisa e consistente, sendo a implementação de métricas de avaliação crucial para garantir que os recursos sejam alocados de maneira eficiente e que os resultados positivos em saúde sejam alcançados.


Caso contrário, este modelo de financiamento por capitação, sem esta componente de medição de resultados em saúde, criará uma situação de resultados imprevisíveis, pois os hospitais deixam de ter a exigência contratual da produção e ao mesmo tempo não têm qualquer objetivo de melhoria da saúde da população.

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