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Álvaro Mesquita, 84 anos, é professor aposentado. Cuida da mulher, 77, com demência há 18 anos. Participa nas reuniões da Consulta de Enfermagem ao Cuidador do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho há mais de um ano e não tem dúvidas: as sessões ajudam-no "a perceber a evolução da doença e a maneira como devo reagir perante certas situações". Diz que, apesar de ter uma empregada, tem "procurado ajudar o máximo", lembrando o "contrato de casamento" em que prometeu amar e respeitar "na saúde e na doença".
É certo que "nem sempre estamos com tanta paciência e às vezes reajo mais forte", mas logo lhe vem à cabeça a frase que ouviu nas sessões de apoio: "Aqui não é ela, é a doença." Por isso faz questão de continuar. Autónomo e lúcido, ainda continua a ir ao Douro uma vez por semana, mas não abdica de ir ao hospital na primeira quarta-feira de cada mês. Aí, pode falar mas, também, "ouvir outros cuidadores e experiências". Acima de tudo, Álvaro Mesquita aprende a "relativizar".
No hospital, um dia deu-se o clique. O elevado número de casos registados semanalmente de cuidadores de doentes com demência em estado de sobrecarga, física, mas, sobretudo, emocional, alguns "à beira da exaustão", fez soar os alarmes no serviço de Neurologia e Psiquiatria.
"Começámos a ter um grande número de doentes internados e chegámos à conclusão de que tinha que ver com a necessidade de haver um período de descanso para o cuidador." Estes, "muitas vezes, não tinham a quem deixar o doente com demência, estavam com uma sobrecarga muito intensa, alguns já em exaustão". Pior: "Fomos verificando que era sistemático, todas as semanas tínhamos um caso novo, era preocupante" e "foi aí que sentimos que era preciso fazer algo, dar apoio ao cuidador". Porque, "para o doente, havia consultas, mas o cuidador estava sozinho", conta Paula Rangel, à data enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria.
Fizeram uma "pesquisa nacional e internacional". E foram "contactando com os cuidadores dos doentes internados". Concluíram que "a nível nacional há falta de apoio". Daí os familiares "optarem por serem eles a tomar conta do doente, sem ajuda de terceiros". E porque pensam que é da sua responsabilidade - "eu tenho obrigação de fazer" - e, por vezes, devido a "problemas económicos" para custear uma ajuda mais profissional.
Meteram mãos à obra. A abordagem psicoterapêutica desenrola-se em três momentos. Primeiro, as consultas de enfermagem individualizadas. Depois, são constituídos grupos fechados de psicoeducação, nos quais abordam os sintomas da doença, as causas, o tratamento, a forma de lidar com as alterações físicas e comportamentais e a promoção da saúde do cuidador. Por último, há grupos abertos de auto-ajuda/suporte, onde são trabalhadas as situações emocionais vivenciadas pelos cuidadores.
O segredo é a "rentabilização dos recursos". Este é "um programa em que há mais ganhos do que gastos", diz Paula Rangel, explicando que "as consultas individuais ocupam as terças-feiras de tarde e as quintas de manhã em cinco sessões semanais". E todos os profissionais "prestam este serviço durante o horário de trabalho e dentro das x horas adstritas ao programa". Não há, portanto, "um custo, em horas extras".
Volvidos mais de cinco anos, um balanço: os utentes cujos cuidadores estão incluídos no programa não tiveram nenhum episódio de internamento nos anos 2017 e 2018. "É muito gratificante."
Consulta ao cuidador
Mais ganhos do que gastos
Arrancou em Novembro de 2013 no Centro Hospitalar de Gaia/Espinho. É um programa direccionado ao cuidador dos doentes com demência. O foco da intervenção deixa de ser exclusivamente o utente doente e passa a ser também o cuidador, o que representa uma mudança de paradigma na prestação de cuidados de saúde. O programa consiste numa intervenção precoce junto do cuidador e no seu acompanhamento ao longo da doença do familiar. O segredo é a rentabilização dos recursos humanos. Também aí reside parte do sucesso. Não há custos financeiros associados para o hospital. "Há mais ganhos do que gastos", diz a enfermeira Paula Rangel. Todos os profissionais prestam este serviço durante o seu horário.
A figura
Paula Rangel
Enfermeira-chefe
Paula Rangel é enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar Gaia/Espinho. Está no projecto desde o arranque e partilha funções, responsabilidades, preocupações, balanços e emoções com os enfermeiros Fernanda Castro, Lília Viana, Ana Silva e Ricardo Brito. Trabalham, para já, com os doentes e respectivos cuidadores referenciados pelos serviços de Neurologia e Psiquiatria do Hospital, mas ponderam alargar aos de Medicina. Até ao final de 2017, já foram efectuadas 649 consultas de enfermagem (destas, 95 primeiras consultas e 554 consultas subsequentes) e constituídos 17 grupos de psicoeducação. Foram abrangidos 101 cuidadores. O programa ainda prossegue.
É certo que "nem sempre estamos com tanta paciência e às vezes reajo mais forte", mas logo lhe vem à cabeça a frase que ouviu nas sessões de apoio: "Aqui não é ela, é a doença." Por isso faz questão de continuar. Autónomo e lúcido, ainda continua a ir ao Douro uma vez por semana, mas não abdica de ir ao hospital na primeira quarta-feira de cada mês. Aí, pode falar mas, também, "ouvir outros cuidadores e experiências". Acima de tudo, Álvaro Mesquita aprende a "relativizar".
649
Consultas
Até 2017 foram efectuadas 649 consultas de enfermagem. Foram abrangidos 101 cuidadores.
No hospital, um dia deu-se o clique. O elevado número de casos registados semanalmente de cuidadores de doentes com demência em estado de sobrecarga, física, mas, sobretudo, emocional, alguns "à beira da exaustão", fez soar os alarmes no serviço de Neurologia e Psiquiatria.
"Começámos a ter um grande número de doentes internados e chegámos à conclusão de que tinha que ver com a necessidade de haver um período de descanso para o cuidador." Estes, "muitas vezes, não tinham a quem deixar o doente com demência, estavam com uma sobrecarga muito intensa, alguns já em exaustão". Pior: "Fomos verificando que era sistemático, todas as semanas tínhamos um caso novo, era preocupante" e "foi aí que sentimos que era preciso fazer algo, dar apoio ao cuidador". Porque, "para o doente, havia consultas, mas o cuidador estava sozinho", conta Paula Rangel, à data enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria.
Fizeram uma "pesquisa nacional e internacional". E foram "contactando com os cuidadores dos doentes internados". Concluíram que "a nível nacional há falta de apoio". Daí os familiares "optarem por serem eles a tomar conta do doente, sem ajuda de terceiros". E porque pensam que é da sua responsabilidade - "eu tenho obrigação de fazer" - e, por vezes, devido a "problemas económicos" para custear uma ajuda mais profissional.
Meteram mãos à obra. A abordagem psicoterapêutica desenrola-se em três momentos. Primeiro, as consultas de enfermagem individualizadas. Depois, são constituídos grupos fechados de psicoeducação, nos quais abordam os sintomas da doença, as causas, o tratamento, a forma de lidar com as alterações físicas e comportamentais e a promoção da saúde do cuidador. Por último, há grupos abertos de auto-ajuda/suporte, onde são trabalhadas as situações emocionais vivenciadas pelos cuidadores.
Passou-me muita gente pelas mãos. Muitos revoltados com a situação familiar. Temos de saber lidar com essa sua frustração, zanga, angústia. Sentimos que o que estamos a dizer está a tocar-lhes e que estamos a conseguir fazer a diferença na vida de alguém. Fernanda Castro
Enfermeira
Enfermeira
Quando a relação do cuidador é com um doente de quem não foi amigo ou que lhe foi infiel ou o tratava com desprezo, surgem conflitos internos que é preciso ajudar a gerir. Aconselhamos as pessoas. É um sentimento de satisfação. Lília Viana
Enfermeira
Enfermeira
O ideal é que não nos deixemos afectar pelas vivências dos doentes e dos cuidadores. Mas é praticamente impossível. Somos humanos. Ricardo Brito
Enfermeiro
E como conseguem os cuidadores, já de si em sobrecarga, tempo e disponibilidade mental para as reuniões? Paula Rangel admite a dificuldade: "Esse é um dos nossos grandes desafios." Refere que "há sessões em horário pós-laboral, outras não", de modo a fazer encaixar os encontros no hospital nos momentos mais libertos do cuidador, uma vez que, a seguir, "têm de ir dar banho, preparar o jantar ou o deitar". A par disso, "temos o apoio da Liga dos Amigos do hospital quando os cuidadores não têm com quem deixar o doente". Aí, "podem trazê-lo e um voluntário ocupa-lhes o tempo enquanto o cuidador está nas sessões".Enfermeiro
O segredo é a "rentabilização dos recursos". Este é "um programa em que há mais ganhos do que gastos", diz Paula Rangel, explicando que "as consultas individuais ocupam as terças-feiras de tarde e as quintas de manhã em cinco sessões semanais". E todos os profissionais "prestam este serviço durante o horário de trabalho e dentro das x horas adstritas ao programa". Não há, portanto, "um custo, em horas extras".
Volvidos mais de cinco anos, um balanço: os utentes cujos cuidadores estão incluídos no programa não tiveram nenhum episódio de internamento nos anos 2017 e 2018. "É muito gratificante."
Consulta ao cuidador
Mais ganhos do que gastos
Arrancou em Novembro de 2013 no Centro Hospitalar de Gaia/Espinho. É um programa direccionado ao cuidador dos doentes com demência. O foco da intervenção deixa de ser exclusivamente o utente doente e passa a ser também o cuidador, o que representa uma mudança de paradigma na prestação de cuidados de saúde. O programa consiste numa intervenção precoce junto do cuidador e no seu acompanhamento ao longo da doença do familiar. O segredo é a rentabilização dos recursos humanos. Também aí reside parte do sucesso. Não há custos financeiros associados para o hospital. "Há mais ganhos do que gastos", diz a enfermeira Paula Rangel. Todos os profissionais prestam este serviço durante o seu horário.
A figura
Paula Rangel
Enfermeira-chefe
Paula Rangel é enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar Gaia/Espinho. Está no projecto desde o arranque e partilha funções, responsabilidades, preocupações, balanços e emoções com os enfermeiros Fernanda Castro, Lília Viana, Ana Silva e Ricardo Brito. Trabalham, para já, com os doentes e respectivos cuidadores referenciados pelos serviços de Neurologia e Psiquiatria do Hospital, mas ponderam alargar aos de Medicina. Até ao final de 2017, já foram efectuadas 649 consultas de enfermagem (destas, 95 primeiras consultas e 554 consultas subsequentes) e constituídos 17 grupos de psicoeducação. Foram abrangidos 101 cuidadores. O programa ainda prossegue.