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Paulo Cunha: "O que mais me preocupa é a empresa que quer expandir e não pode"

O concelho mais exportador do Norte poderia ter um desempenho ainda melhor não fossem a escassez de mão-de-obra e as fraquezas das vias de transporte, na visão do edil de Famalicão.

Rute Barbedo 25 de Setembro de 2018 às 10:07
Paulo Cunha presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão Paulo Duarte
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"Há 20 anos, seria um presidente de câmara diferente", assume Paulo Cunha. O que mudou radicalmente foi a intervenção pública local no assunto económico. Mas, para o autarca, o país ainda carece de um nível intermédio, supramunicipal, nos processos de negociação. "Se o responsável da Leica quer fazer um investimento fala com o presidente da câmara ou com o primeiro-ministro." Não há ninguém no meio, perdendo-se a visão de região, defende.

Não há tantos anos assim, uma das prioridades no concelho era o combate ao desemprego. Hoje fala-se em escassez de mão-de-obra. Já é encarado como um problema em Famalicão?
Em 2013, Famalicão tinha cerca de 12 mil desempregados. Neste momento, tem 3.000. Temos uma taxa de desemprego de 4,8%, abaixo da média nacional. Assistimos, com especial preocupação, a um cenário de escassez de recursos humanos e há empresas que fazem depender a sua expansão das condições conjunturais. Não basta ter encomendas do mercado internacional, haver matéria-prima ou financiamento. É preciso que também haja recursos humanos, nomeadamente para a área industrial. Os chamados indiferenciados ou não qualificados são adaptados com alguma facilidade ao percurso produtivo do comércio, serviços ou agricultura. Mas na indústria é diferente, exigem-se conhecimentos técnicos que essas pessoas não têm.

Essa falta pode gerar uma retracção no investimento por parte das empresas?
Com certeza. Até hoje não tive conhecimento de nenhuma empresa que tenha posto um projecto de expansão na gaveta por falta de recursos humanos, mas tenho receio de que isso possa acontecer, em Famalicão e no país.

Assistimos, com especial preocupação, a um cenário de escassez de recursos humanos.

Em que sectores económicos espera que o concelho cresça?
Até 2020 temos um plano de investimentos de cerca de 500 milhões de euros, com uma projecção de criação de 2.500 postos de trabalho, e temos duas incubadoras com 16 start-up a funcionar. Há projectos que estão a ser analisados, alguns já sinalizados, de multinacionais que vêem Famalicão como um concelho com características para investimento num futuro próximo. O sector automóvel destaca-se porque temos aqui um cluster, não só pelos pneus e outros componentes da Continental como pelos estofos da Coindu, a somar a outras empresas. Isto sem descurar o têxtil, que tem cada vez maior ligação com o sector automóvel. Também o agro-alimentar e a metalomecânica são áreas em expansão e de que esperamos novos investimentos nos próximos anos.

É um defensor da regionalização. Como seria o seu modelo administrativo ideal?
Acho que a única forma de descentralizar é regionalizar. O que está a acontecer agora é que passámos de um modelo centralizado em Lisboa para um processo bicéfalo. O resto é paisagem, como se diz. A nível estratégico, as regiões administrativas também fazem todo o sentido. Se eu quero captar uma empresa, quando a trago cá, não a trago para Famalicão, mas para o Norte. Se a empresa precisar de 100 engenheiros, eles vêm de Famalicão, da Maia, do Porto, de Santo Tirso… Vai ser com políticas municipais que vamos fazer isso? No planeamento, nos transportes, na atracção de investimento, as competências alocadas ao município não são tão assertivas do que se estivessem numa entidade supramunicipal.

Famalicão é o terceiro concelho mais exportador e tem um dos melhores saldos comerciais do país. O que há para melhorar?
Um exemplo concreto é o da travessia do rio Ave, uma reivindicação desta região há mais de 25 anos, que nunca foi feita porque o centro de decisão não vive o problema. E o problema que mais me preocupa é o da empresa que quer expandir e não pode, porque o camião que transporta a matéria-prima ou o produto acabado precisa de duas horas para fazer um percurso de Ribeirão até ao terminal de contentores de Leixões ou ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro!

A Continental viveu uma grande luta na questão dos acessos, que apenas agora começou a resolver-se.
Sabe quantos camiões saem diariamente da Continental? 600! Felizmente, a empresa está agora numa fase diferente, mas teve projectos na gaveta durante alguns anos [a empresa chegou a ameaçar um recuo nos investimentos caso não fossem construídos novos acessos] e mesmo agora tenho dúvidas sobre o realismo de tudo isto. Uma parte [junto à EN14] está sob intervenção mas a travessia do Ave continua na gaveta. E o investimento na linha férrea é para quando? O maior eixo de exportações de Portugal está aqui, entre Famalicão, a Trofa e a Maia. Temos um porto de mar e um aeroporto, sim senhor, mas como é que se chega lá? Ou o porto é só para os cruzeiros e o aeroporto para os turistas? É muito mais caro para nós pôr um pneu em Itália do que é para a Alemanha ou para a França e nós temos de competir com eles. O que acontece é que, para isso, muitas vezes se desvalorizam os salários. 

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A linha do Direito

Paulo Cunha lidera o município minhoto desde 2013, ano em venceu as eleições por maioria absoluta, integrando uma coligação entre o PSD e o CDS-PP. Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada do Porto e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra, entre 2009 e 2013 manteve o olho na cadeira do poder enquanto vice-presidente da autarquia e vereador da Cultura, Freguesias, Turismo e Defesa do Consumidor. Exerceu advocacia, é professor na faculdade em que se licenciou e investigador do Núcleo de Estudos das Autarquias Locais da Universidade do Minho. Nasceu em 1971, na freguesia de Gavião. 



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