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China compra petróleo venezuelano adulterado para contornar sanções

Este é provavelmente o segredo menos bem guardado do mercado de petróleo: milhões de barris venezuelanos embargados pelos EUA têm chegado discretamente à China.

Ainda há muita oferta excedentária, mas a procura tem vindo a subir.
Etienne Laurent/EPA
31 de Janeiro de 2021 às 15:00
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Nesse jogo de gato e do rato, o petróleo é transferido entre navios, com o envolvimento de empresas de fachada e sinais de satélite silenciados. Outra estratégia envolve "adulterar" o petróleo com aditivos químicos e mudar a sua descrição na documentação para que possa ser vendido como um produto totalmente diferente, sem vestígio das raízes venezuelanas.

Faturas e emails lidos pela Bloomberg mostram até que ponto alguns comerciantes de combustível chegam para disfarçar a origem do petróleo e levá-lo para a Ásia, de modo que as refinarias chinesas representam uma tábua de salvação para o combalido setor petrolífero da Venezuela.

As autoridades dos EUA não podem proibir empresas chinesas ou internacionais de comprar petróleo venezuelano, mas podem pressioná-las financeiramente ao impedir que façam qualquer negócio com companhias americanas. Por isso, são tomadas medidas complexas para disfarçar a origem do petróleo.

A fiscalização do embargo americano é difícil, de acordo com Scott Modell, diretor da Rapidan Energy Advisors. "Há tantas maneiras de contornar as sanções", disse. "Há muita gente disposta a correr o risco porque dá para ganhar muito dinheiro".

Os documentos mostram petróleo carregado na Venezuela — como uma variedade chamada Hamaca — a ser tratado com aditivos químicos na costa de Singapura e a reaparecer no mercado com novos nomes como "Singma" ou simplesmente como mistura de betume. A Swissoil Trading, sediada em Genebra, realizou as transações listadas nos documentos, atuando em nome da exportadora mexicana de petróleo Libre Abordo, que foi sancionada pelos EUA em junho por comprar petróleo venezuelano.

Num email visto pela Bloomberg, um operador da Swissoil que oferecia o produto "Singma" recomendou que a documentação original a identificar o petróleo como venezuelano não acompanhasse a carga. "Colocar a carta original de conhecimento de embarque a bordo de um navio é uma loucura, não faça isso", escreveu o operador. "Não entende o problema em que se está a meter".

Num email enviado em resposta a perguntas da reportagem, o advogado da Swissoil afirmou que a companhia "não está a comercializar e não comercializou petróleo da Venezuela".

A Bloomberg viu documentos referentes a pelo menos 11,3 milhões de barris de petróleo venezuelano que foram vendidos pela Swissoil e entregues à China no ano passado, disfarçado com outros nomes.

Dados alfandegários sugerem que esses documentos são apenas a ponta do iceberg e que outras empresas estão envolvidas em práticas de adulteração e venda. Oficialmente, a China não importa petróleo venezuelano desde setembro de 2019, enquanto as compras da Malásia — que não aumentou significativamente a sua capacidade de produção de petróleo — atingiram em 2020 o nível mais alto desde o início da série histórica, em 2004. No entanto, números da Bloomberg baseados em monitorização de navios mostram que mais da metade das exportações de petróleo da Venezuela no ano passado foi parar à China. Em dezembro, a China foi o destino de todas as exportações de petróleo do país.

No último mês de abril, o navio Celestial embarcou com petróleo venezuelano para a Malásia. Navegou para uma área a poucos quilómetros da costa de Singapura conhecida como Western Petroleum Bravo - não muito longe do Universal Studios Singapore e de alguns dos melhores resorts e campos de golfe da Ásia. Lá recebeu 30 contentores de aditivos químicos a um custo de 233 mil dólares, todos pagos pela Swissoil. "Senhores, esta é a taxa de doping", disse um funcionário da Swissoil numa troca de emails com a Libre Abordo, a empresa que originalmente embarcou a carga na Venezuela. "Tenho a certeza de que precisaremos desses tipos no futuro, certifique-se de que são pagos na hora".

Depois de o Celestial ter levantado a âncora, a sua carga mudou de nome para "Singma Blend", uma mistura da Singapura e Malásia. Singma e Hamaca são quimicamente quase iguais, de acordo com documentos vistos pela Bloomberg. Um mês depois, a Swissoil vendeu o petróleo a uma empresa em Hong Kong, aDayuan Import & Export Co Ltd., uma intermediária para a China. Em emails entre as empresas, o petróleo não é identificado como originário da Venezuela.

A adulteração não é ilegal e é usada para colocar o petróleo dentro de certas especificações químicas para cumprir obrigações contratuais ou remover impurezas. Ocultar o local de origem do petróleo e rebatizá-lo é, no entanto, proibido. Várias comunicações vistas pela Bloomberg enfatizam a importância de garantir que nenhum documento original que possa identificar a proveniência do petróleo é colocado a bordo. Numa comunicação, um funcionário venezuelano da Swissoil enfatizou "certifique-se de que o navio não sai com os originais a bordo. Nenhum original deve ser colocado a bordo de qualquer navio, dada a origem da carga".

A Swissoil e o seu principal executivo, Philipp Apikian, entre outros, foram sancionados pelo Departamento do Tesouro dos EUA a 19 de janeiro por fazerem negócios com a Venezuela, depois de a Bloomberg ter pedido comentários para este artigo. A empresa não respondeu a um terceiro pedido depois de terem sido colocados na lista. O Ministério do Comércio e a Administração Geral das Alfândegas da China não responderam aos pedidos de comentários.

A Libre Abordo, que abriu falência em maio, também não respondeu às solicitações e os números de telefone anteriormente associados aos seus executivos foram desligados. Um porta-voz do Tesouro dos EUA não abordou os detalhes desta história, dizendo apenas que a política de sanções foi eficaz e continuaria a ser usada para pressionar o presidente Nicolas Maduro.

O mundo tem abundância de petróleo leve, graças ao xisto dos EUA. Mas a oferta de petróleo pesado é muito mais limitada devido às sanções à Venezuela e ao Irão.

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