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Como a pandemia está a afetar os preços que os consumidores pagam pelos bens agrícolas
A diminuição da procura e a queda dos preços do petróleo devido à pandemia de covid-19 debilitou os preços de algumas matérias-primas da área alimentar e energética. Mas há outras que estão a ser beneficiadas pela corrida a produtos mais vitamínicos ou pelo armazenamento de bens essenciais por parte dos consumidores numa altura em que se verificam constrangimentos nalgumas cadeias de fornecimento e limitações da oferta de países produtores.
Café - Isolamento sustenta preços em alta
Subida do café depende das empresas
O preço da matéria-prima está em trajetória ascendente, mas para já não há indicação de que os consumidores vão passar a pagar mais pelo café. A Associação Industrial e Comercial do Café (AICC) esclarece ao Negócios que "os preços são estabelecidos por cada empresa", e que por isso "a Associação não pode comentar este assunto sob o risco de ser interpretada como instrumento de fixação de preços, atividade proibida pela Autoridade da Concorrência". Também contactada, a Delta não quis prestar declarações.
Cacau - Chuva traz pressão negativa
Os futuros do cacau subiram no início do ano em Nova Iorque devido aos receios em torno do tempo seco naquela região africana, para depois começarem a descer nos dois últimos meses, à medida que a chuva foi trazendo algum alívio aos agricultores.
Ao mesmo tempo, os operadores estão a tentar perceber de que modo poderá a pandemia afetar a procura de produtos que têm o cacau como ingrediente, como é o caso do chocolate, e se irá perturbar as cadeias de fornecimento.
Chocolate não deve sentir reflexos para já
A indústria do chocolate tem continuado a resistir, apesar de muitas vezes se pressagiar o seu fim devido à erosão dos solos em África, de onde vem 70% da produção (especialmente da Costa do Marfim). O Negócios tentou contactar empresas do setor, nomeadamente a Nestlé, a Mars e a Imperial, mas não obteve respostas até ao fecho. Por regra, existe um hiato temporal entre as variações nas matérias-primas e os preços para os consumidores finais, sendo prática corrente das empresas firmar contratos de médio e longo prazos.
Manteiga - Fecho de escolas e restaurantes castiga
Manteiga à espera para ver
É possível que a queda do preço da manteiga venha a ser sentida pelos consumidores, mas ainda é cedo para o afirmar com certeza, refere Fernando Cardoso, secretário-geral da Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (FENALAC). "A transmissão dos preços entre as cotações de matérias-primas, neste caso a manteiga em grosso, e os produtos disponíveis na distribuição para venda ao consumidor final não é imediata", pelo que é necessário "aguardar mais algumas semanas", aponta o responsável.
Sumo de Laranja -Vitamina C volta a “estar na moda”
Com efeito, o sumo de laranja tem vindo a tornar-se cada vez mais popular, numa altura em que as pessoas estão menos preocupadas com o açúcar e as calorias e mais viradas para a vitamina C.
A menor procura por sumo de laranja que se verificou no ano passado deu agora lugar a um aumento do consumo nesta era de "fique em casa". Só em março, os futuros desta "commodity" dispararam 22%, naquele que foi o ganho mais acentuado desde outubro de 2015.
Sumo de laranja sem impacto a curto prazo
Foi um dos produtos cujo consumo escalou com a pandemia. O sumo de laranja concentrado congelado é nesta altura uma das matérias-primas com mais "vitamina", mas o produto final não está a refletir a subida dos preços. Ao Negócios, fonte do setor adianta que os contratos do sumo de laranja são de longa duração, logo o aumento do preço para os produtores não tem impacto imediato junto do consumidor. Contactada, a Associação Portuguesa das Bebidas Refrescantes Não Alcoólicas refere que "não trabalha informações sobre preços".
Açúcar - O pior trimestre desde agosto de 2018
Açúcar dependente da União Europeia
A queda do preço do açúcar nos mercados internacionais não deverá chegar ao bolso dos portugueses, até porque não é sentida pelas refinarias nacionais. Na prática, não existe uma correlação direta entre a oscilação de preços do mercado mundial e os valores praticados na União Europeia. As regras comunitárias ditam que as empresas devem adquirir a matéria-prima a determinados fornecedores preferenciais. O Negócios tentou contactar a RAR e a Sidul, as duas maiores empresas do setor, que recusaram comentar o tema.
Trigo - Protecionismo alimentar impulsiona cereal
Preço do pão não deve mexer
Apesar da subida do preço do trigo nos principais países exportadores, o pão que chega à mesa dos portugueses não deverá ficar mais caro. A expectativa é de José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Cereais, Oleaginosas e Proteaginosas (ANPOC). Por causa da pandemia, os produtores preparam-se para pagar mais pela matéria-prima, mas "o preço da farinha de trigo não tem um peso assim tão grande" no produto final, que depende de custos como a mão de obra ou o processo de transformação.
Arroz - Vendas limitadas içam preços
Arroz pode ficar mais caro
A dependência dos mercados externos está a preocupar os produtores nacionais, que já fazem contas ao preço do arroz. Pedro Monteiro, presidente da Associação Nacional dos Industriais do Arroz (ANIA), diz que há uma "forte possibilidade" de os países de origem "restringirem ou proibirem as exportações" para fazerem face às suas próprias necessidades. Portugal já sente "atrasos no comércio internacional e aumentos generalizados" no preço da matéria-prima, o que poderá vir a ter impacto no custo do produto final.
Óleo de Palma - Menor consumo e mais stocks penalizam
Assim, o menor consumo de óleo de palma, a par com um aumento da produção, tem estado a enfraquecer os preços e não se espera, para já, uma mudança de rumo. As cotações desta oleaginosa afundam em torno de 15% desde o início de 2020, "bastante pressionadas pela acentuada queda do consumo de biocombustíveis", refere a Mongabay News. Nos restantes óleos vegetais, a tendência é similar.
Transportes "compensam" queda
Os preços do óleo de palma estão a descer, mas os custos do transporte (marítimo e rodoviário) tendem a subir, nomeadamente devido à menor atividade dos portos por força dos "lockdowns", pelo que o impacto da queda não deverá ainda fazer-se sentir por cá. Existem preços distintos para cada um dos polos de origem das plantações de palma, uma vez que as distâncias até ao consumo final são diferentes, influenciando o preço de venda, sublinha Pedro Cachola na sua dissertação de mestrado sobre a análise de uma cadeia de abastecimento deste óleo vegetal.
A descida das cotações do crude tem atingido matérias-primas agrícolas utilizadas na produção de biocombustíveis, como é o caso do açúcar, do óleo de palma e do milho - e, no que diz respeito a este cereal, os futuros em Chicago estão em mínimos de 2016, com os EUA a estimarem uma forte queda na produção de etanol.
Mas há também matérias-primas agrícolas que estão a beneficiar das quarentenas e do distanciamento social, devido à maior procura. É o caso do sumo de laranja, com a procura por vitamina C a fazer disparar o consumo desta bebida.
Também a limitação das exportações por parte de alguns países, que querem salvaguardar os stocks para consumo nacional, tem feito subir alguns preços, como os do arroz e do trigo.
O confinamento de mais de meio mundo em casa – são mais de quatro mil milhões de pessoas que estão atualmente isoladas – também tem diminuído a mão-de-obra, o que dificulta a colheita e escoamento de produtos, muitos dos quais ficam igualmente retidos nos portos devido à quebra da atividade económica.