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Soares dos Santos admite ter discutido negócio da Vidago com Miguel Cintra
O presidente da Jerónimo Martins, Soares dos Santos, ouvido no caso de alegado abuso de informação privilegiada, admitiu ter discutido o negócio da compra da Vidago, em Julho de 1996, na presença de Miguel Sousa Cintra, o arguido no processo.
A primeira de três testemunhas ouvidas, hoje, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Soares dos Santos, assumiu que a compra das águas Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas (VMPS) começou por uma proposta de parceria para a distribuição e produção de águas com Sousa Cintra.
Esses contactos foram realizados, por uma «team» da distribuidora encarregue desses processos que, à data de 1996, integrava, Ponce Leão, o administrador financeiro, e Rui Ribas, relações com os investidores.
Os factos deste julgamento, que vai na terceira audiência, remontam a 1996, altura em que o filho de Sousa Cintra terá usado informação de que haveria interesse da Jerónimo Martins [JMAR] em comprar o capital da Vidago, para reforçar a sua posição no capital, que mais tarde viria alienar em oferta pública de aquisição (OPA) praticamente ao dobro do preço dos valores de compra.
O ainda dono dos supermercados Pingo Doce e Feira Nova admite, sem assegurar, que ter-se-á falado da intenção de compra das acções da Vidago num encontro, antes de Agosto de 1996, estipulado para se discutir uma parceria para a instalação de postos de combustível Cipol junto de supermercados da distribuidora, com a presença de Miguel Sousa Cintra.
«É muito difícil que não se tenha falado das águas», referiu Soares dos Santos sobre aquela reunião, acrescentando, no entanto, «que não lhe posso garantir com certeza».
O presidente da JM sempre acreditou que o negócio da VMPS era passível de ser alienado, ao contrário do que foi veiculado por Sousa Cintra que só admite ter decidido vender a posição maioritária na Vidago a 30 de Outubro de 1996.
Posição de Sousa Cintra «era claramente vendedora»Para Soares dos Santos, a partir do momento em que Sousa Cintra mandatou o Banco Finantia para a avaliação a Vidago, assumiu implicitamente uma posição de vendedor. «Penso que a posição era claramente vendedora. Se a pessoa não quer vender, não quer dossier nenhum».
O presidente da segunda maior distribuidora nacional, na altura (1996), dona das águas Sete Fontes, acrescentou mesmo que, no seu entender, «a companhia foi preparada para vender».
Quando a tomaram em Novembro, «estava tudo certinho. Ficámos surpreendidos», acrescentou a mesma fonte, reforçando que este «dossier» do Finantia de avaliação da Vidago, «talvez já existisse antes».
A compra da Vidago tinha como objectivo «ganhar massa crítica para reduzir os custos de distribuição da Sete Fontes».
Na última audiência em tribunal, Ponce de Leão, na altura do alegado abuso de informação privilegiada avançou que, após uma reunião de 14 de Outubro de 1996, pensou que o negócio da compra da Vidago não se concretizava.
Todavia, Soares dos Santos tem outra versão.«Não o estou (Ponce Leão) a ver a ir para o Brasil e deixar o negócio pendurado», referiu. As declarações de Ponce de Leão poderiam auxiliar a defesa de Miguel Cintra, demonstrando que o negócio não estava firmado e que o filho do ex-presidente do Sporting Clube de Futebol comprou acções em Bolsa para, como invoca, reforçar na liderança da empresa.
Com base na acusação do Ministério Público a que o Negocios.pt teve acesso, Miguel Sousa Cintra realizou mais valias totais de 4,347 milhões de euros (869,45 mil contos) com a venda das acções, compradas em Bolsa entre Julho e Outubro, na OPA lançada em 11 de Novembro de 1996.
Ex-director geral da Vidago defende tese de Miguel CintraAlém do presidente da JM que, em 1996, assegurou a VMPS, vindo posteriormente, a vendê-la à Unicer, foi ouvido Paulo Morgado, ex-director-geral da VMPS.
Este ex-director geral da Vidago, agora colaborador da Cap Gemini, Ernest and Young puxou para si a ideia de que haveria necessidade da Vidago, em encontrar um parceiro, sob pena de estagnação do negócio das águas.
Nesse sentido, teve uma reunião com Alexandre Vidinha, consultor de investimentos, e Ponce de Leão, sobre parcerias com a JM. Mas «depois de Julho, nunca mais voltei a ter mais contactos com a JM» e «nunca, até essa data admiti a hipótese da empresa ser vendida».
Corroborando as informações que Miguel Sousa Cintra justificou para começar a comprar acções da Vidago em Julho de 1996, Paulo Morgado avança que «houve um pedido (em Julho de 1996) dos administradores para que Miguel Cintra pudesse envolver-se mais na administração da Vidago».
Em resposta a esse pedido, Miguel Cintra «referiu-me que uma das condições, (para esse maior envolvimento), era ter um maior poder accionista para o fazer».
Berardo acusa Sousa Cintra de «teatro» na compra das acções da VidagoOutras das testemunhas ouvidas na sessão de hoje, foi o empresário Joe Berardo, presidente da Metalgest, que possuía uma posição de 9% do capital da Vidago em conjunto com um fundo de investimento do Banco Privado Português (BPP), tendo alienado a 19 de Julho essa posição a Miguel Cintra através do Central Banco de Investimento.
Essa venda foi baseada nas informações de José Sousa Cintra de que o negócio das águas era para ficar em família.
Sousa Cintra «organizou uma caldeirada, com a presença de João Rendeiro e Miguel Cintra para que lhe vendesse aquelas acções», justificando que queria «ter um negócio estável para a família», declarou Joe Berardo.
«O que eu não sabia é que ele sempre esteve a negociar com outro vendedor. Até começou a chorar. E fiquei comovido com aquela situação. Foi um teatro. Fui prejudicado pelo teatro de Sousa Cintra», frisou a mesma fonte que só negociou com o ex-presidente do Sporting e nunca com o filho, que, foi concretamente, o comprador daquelas acções.
O presidente da Metalgest interpôs uma queixa em tribunal civil para pedir uma indemnização pelos danos causados, visto que poderia ter vindo a alienar aquelas acções a OPA de Novembro e ter auferido um maior lucro na venda.
Por Bárbara Leite