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Europa mergulhou nas taxas negativas e agora não encontra uma saída

A experiência europeia não convencional, com a introdução de taxas de juros negativas para estimular o crescimento económico e a inflação, pode ser uma armadilha.

20 de Julho de 2019 às 12:00
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Cinco anos depois do que deveria ser uma medida temporária na zona do euro, o Banco Central Europeu ainda não atingiu as suas metas e pode estar prestes a reduzir ainda mais os juros. Japão, Suíça, Suécia e Dinamarca também mergulharam abaixo de zero, nível que antes era visto como o limite mais baixo da política monetária.

 


Com o crescimento económico global em desaceleração, as taxas negativas continuam presentes. Mas a persistência dos juros abaixo de zero atrai cada vez mais críticas, que apontam essas taxas como culpadas pela fragilidade dos bancos, expropriação dos aforradores, financiamento de empresas moribundas e aumento insustentável da dívida corporativa e dos preços dos ativos.

 

Os bancos centrais reconhecem que juros negativos não são ideais, mas também estão seguros de que as suas ações ajudaram a evitar a deflação e a sustentar o crescimento. Afirmar algo diferente prejudicaria a credibilidade da sua principal ferramenta de política monetária.

 

O risco é que as taxas negativas se incorporem de forma permanente na economia. É um temor premente dos bancos, que não podem transferir totalmente os custos – como a taxa que é cobrada pelos depósitos que fazem nos bancos centrais - para os seus clientes no retalho.

 

"Nunca diria que não podemos entrar em terreno negativo, podemos fazer tudo por um curto período" afirmou Axel Weber, presidente do UBS e antigo membro conselho do BCE. "Mas é como mergulhar na água. Pode lá ficar algum tempo, mas não pode ficar lá para sempre", disse Weber em entrevista este mês.

 

David Folkerts-Landau, economista do Deutsche Bank, estima que os bancos da zona do euro perderam cerca de 8 mil milhões de euros por ano com esta política de juros negativos. Casper von Koskull, CEO do Nordea Bank, descreveu a estratégia como um "ambiente perigoso que está a sufocar os agentes bancários europeus".

 

Amendoins

 

O BCE avalia o cenário de forma diferente. Para a instituição, o que os credores perdem em margens de lucro é mais do que compensado com volume, já que os juros baixos aumentam a procura por crédito. Benoit Coeure, membro do Conselho Executivo do BCE, comparou os 8 mil de euros à dimensão de um "amendoim" e disse que os maiores problemas são os empréstimos em incumprimento e mudanças tecnológicas.

 

"O setor tem que ser saudável para transmitir uma política acomodatícia para a economia em geral", disse Carl Riccadonna, economista-chefe da Bloomberg Economics para os EUA. "As taxas de juros negativas não são uma ferramenta eficaz caso o setor bancário seja prejudicado."

 

As taxas negativas são uma versão extrema da estratégia padrão dos bancos centrais de reduzir os custos dos empréstimos para estimular o consumo e o investimento.

Mas taxas muito baixas podem permitir a acumulação de dívidas insustentáveis, já que empresas e consumidores financiam aquisições. A combinação de uma alavancagem alta com avaliações elevadas em áreas como o setor imobiliário também pode diminuir a tolerância de uma economia a juros mais altos no futuro, forçando bancos centrais a manter uma política acomodatícia.

 


As taxas negativas podem também minar a confiança no sistema bancário, levando as pessoas a acumular dinheiro em notas e ouro. Há evidências deste fenómeno na Suíça, em particular com notas de 1.000 francos suíços, umas das notas com valor facial mais elevado em todo o mundo.

 

A política de juros negativos também oferece uma tábua de salvação para empresas "zombies" improdutivas, que desperdiçam recursos e prejudicam o crescimento da produtividade.

 

Esta é uma das lições do Japão, onde as taxas foram reduzidas para zero há duas décadas e acabaram por ficar negativas em 2016. A eterna política acomodatícia do país também sugere que o que a economia realmente precisa são reformas económicas estruturais.

 

Os decisores de política monetária na Europa há anos que adotaram esta mensagem, mas têm ficado sem resposta por parte dos governos.
 

Ao contrário de muitos bancos centrais europeus, a Reserva Federal nunca deixou a taxa de referência em terreno negativo. Especialistas em política monetária dos EUA sempre duvidaram dos benefícios teóricos de cobrar aos aforradores para manter o dinheiro no banco, mostrando também preocupação com o impacto que tal teria nos bancos de menor dimensão. Há também uma questão sobre a legalidade da prática nos EUA.

 

Mas o debate está longe de terminar. O ex-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, divulgou um estudo este ano onde alerta que os juros negativos poderiam piorar a situação ao comprimir os lucros dos bancos. O presidente do Fed de Dallas, Robert Kaplan, disse em fevereiro que era "cético" em relação à política, embora um artigo publicado pelo Fed de São Francisco afirme que a última recessão americana poderia ter sido menos grave com taxas abaixo de zero.

Para os bancos centrais que implementaram juros negativos, não há dúvidas de que a política funcionou. Esse é certamente o caso na Suíça, onde a taxa negativa de 0,75% é a mais baixa em todo o mundo.

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